Prof. Júlio César Medeiros

PROFESSOR DE HISTÓRIA

juliocesarpereira@id.uff.br

SOBRE

Júlio César Medeiros é Dr. em História da Ciência e da Saúde pela Fiocruz.  É professor de História Contemporânea com enfase em África, da Universidade Federal Fluminense, pesquisador do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos e Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa SANKOFA-UFF.

 

Arquivo de março de 2019

As origens do método Científico moderno enquanto as  abordagens possíveis do objeto.

Postado por MEDEIROS DA SILVA PEREIRA em 22 mar 2019

 

Por: Júlio César Medeiros da S. Pereira[1]

Durante muito tempo, o desenvolvimento do método científico ficou focado, sobretudo, no campo das ciências naturais tais como:  astronomia, biologia e Física. Contudo, durante a segunda metade do século XIX, as ciências sociais começaram a arrogar para si mesmas, o status de ciência em pé de igualdade com os demais campos de saberes.

Naquele momento, a visão ontológica do realismo, que baseia-se no  pressuposto de que o mundo físico é real começou a ser discutido e a ganhar cada vez mais espaço. Tal visão acreditava que o mundo que percebemos é externo a nós mesmos, e existe independentemente de nosso pensamento.

A visão epistemológica do positivismo ganhava força ao propor que era possível adquirirmos conhecimento sobre a real natureza do mundo através da observação e da experimentação. Esta visão realística, positivista era principalmente aplicada aos fenômenos naturais. Mas com o desenvolvimento das ciências sociais, impulsionada pelo motor do Imperialismo, começa-se a se propor que uma visão mais realística também  deveria ser aplicada a fenômenos sociais e psicológicos. Nascia o objetivismo o qual pressupunha que determinados fenômenos psicológicos e sociais como inteligência e coesão social, são propriedades externas, independentes e que existem separadas de nossa representação mental. E por isto podem ser mensuradas de forma concreta, ou objetiva.

No outro extremo de análise,  o construtivismo contrapunha-se ao objetivismo ao propor que  a natureza dos fenômenos sociais não é externa ao nosso pensamento. Isso significa que a realidade não é independente nem externa. Longe disto, a realidade é considerada antes de tudo, uma construção mental que depende do observador e do contexto do seu objeto. Assim, sentimentos como ódio, felicidade ou feminilidade não são externas ao observador, nem muito menos imutáveis, mas são inerentes à perspectiva de observador, o meio na qual existem e não podem ser objetivamente definidas. A cultura seria o instrumento capaz de perceber e dotar de  significado a tais propriedades. Cada uma delas depende da cultura na qual estão inseridas, do grupo social que o observador faz parte, e só podem ser entendidas dentro do seu tempo  histórico específico e, mais, elas afetam o observador talvez do mesmo modo que são produzidas.

Dito isto, pode-se inferir daí que a nossa realidade psicológica e social é construída, subjetiva, indefinida, e que, portanto seria difícil obtermos algum tipo conhecimento sobre ela. Para resolver esta equação, surgiram algumas posições epistemológicas que tentavam analisar a posição ontológica do construtivismo: a hermenêutica, fenomenologia e a verstehen (compreensão), a estas visões chamamos de interpretativíssimo. Essas visões interpretativistas presumem que a experiência de um pesquisador ou a observação de um fenômeno social podem ser muito diferentes de como as pessoas que estão envolvidas no fenômeno social o percebem, por isto, o pesquisador deveria se focam em compreender  o fenômeno do ponto de vista das pessoas que estão envolvidas naquela situação. Como elas diferem levemente entre si, precisamos analisar com mais vagar cada uma em separado para que possamos perceber a dinâmica de cada uma e o seu uso metodológico.

A “hermenêutica” tem o seu termo derivado da teologia e refere-se à forma correta de se interpretar as escrituras retirando-se o sentido do texto e levando e conta o contexto no qual ele está inserido. Já a hermenêutica, agora aplicada às Ciências Sociais, procura explicar fenômenos sociais interpretando os comportamentos dos indivíduos dentro do contexto social no qual estão inseridos. Em outras palavras, o Pesquisador precisa levar em consideração a visão de mundo do observado e procurar e entender que suas ações.

Já a Fenomenologia parte do pressuposto de que as pessoas não são objetos inertes, elas interagem com o mundo redor, pensam, sentem e percebem-se. Em contrapartida, elas esta dinâmica influencia suas ações e altera as suas percepções. Por isto,  para que possamos compreender suas ações, é necessário que investiguemos o significado que elas aplicam aos fenômenos que elas experimentam. Em última análise seria investigar o mundo da perspectiva delas e não do observador. É preciso que o pesquisador se dispa de suas visões e parâmetros para poder alcançar tais experiências do ponto de vista do observado.

Verstehen que significa no alemão “compreensão” é mais associada a Max Weber. Verstehen refere-se ao entendimento empático de fenômenos sociais. Segundo o sociólogo alemão, o observador  precisa assumir a perspectiva dos seu observado para então poderem interpretar como eles veem o mundo. Para Weber, somente  desta forma o pesquisador, então,  poderia tentar explicar as suas ações dos homens dentro de seu meio social.

 

Para Annemarie z. Scholten há alguns problemas nestas  visões construtivistas interpretativistas[2]. Segundo ela, há um problema de “interpretação estratificada”. Ou seja, em primeiro momento, o pesquisador interpreta as interpretações dos objetos, depois, ele interpreta as constatações em relação a uma abordagem ou a uma teoria. Com cada camada adicional de interpretação há mais chances de equívocos. Um segundo problema seria o fato de que fica muito difícil se comparar os dados obtidos, pois não existem parâmetros uma vez que cada objeto só pode ser interpretado dentro de cada cultura específica. Por exemplo, no caso da felicidade, como compará-la? Se a felicidade é subjetiva e significa coisas diferentes em culturas diferentes, simplesmente não podemos compará-las. Não existe, neste caso, a possibilidade de se criar teorias gerais ou explicações universais que se apliquem a variados grupos sociais e em  períodos de tempo particulares.

Um terceiro problema é a diferença na estrutura de referência. Se a estrutura de referência do pesquisador é muito diferente, pode ser difícil para o pesquisador tomar o ponto de vista do objeto. Isso torna difícil de descobrir quais os aspectos relevantes do contexto social. A visão construtivista-interpretativista é normalmente associada à abordagem qualitativa da ciência.

Isso implica em dizer que as observações são feitas através de entrevistas não muito estruturadas ou observação participativa, nas quais o pesquisador se torna parte de um grupo para observá-lo. Os dados são obtidos da pesquisa. Os dados são analisados qualitativamente por interpretação de texto ou material gravado. Em contraste, a visão objetivista-positivista está associada com métodos de pesquisa quantitativos. Observações são coletadas, que podem ser contadas ou mensuradas, para que os dados possam ser agregados sobre muitos objetos de pesquisa.

A intenção é que os objetos representem um grupo muito maior, possivelmente apoiando uma explicação universal. E os dados são analisados utilizando técnicas estatísticas quantitativas. Apesar de uma abordagem qualitativa ser normalmente associada com uma visão construtivista da ciência e uma abordagem quantitativa com uma visão objetivista, não há motivo para nos limitarmos somente a um método qualitativo ou quantitativo. É o que  Scholten assevera e eu concordo. Ambas abordagens têm suas vantagens e desvantagens.

Para algumas questões de pesquisa, uma abordagem qualitativa é melhor. Em outros casos, uma abordagem quantitativa é mais apropriada. Na verdade, uma abordagem de método misto, onde ambos métodos são usados para complementar o outro está constantemente ganhando popularidade.

Recentemente, eu mesmo pude realizar junto aos alunos do curso de Educação do Campo, pudemos fazer uma pesquisa de cunho quantitativa-qualitativa em que mesclamos questionário de pesquisa sobre condições de saúde e textos e trabalhos sobre a história e vida dos quilombolas em Cruzeirinho de cima[3]. o trabalho demonstrou que é possível mesclar diferentes tipos de métodos, sem cair nas armadilhas extremistas do positivismo, tão já ultrapassado, ao menos nas ciências sociais e um certo construtivismo interpretativo que nos impeça de fazer uma análise mais coerente com a realidade.

 

 

 

Bibliografia

 SCHOLTEN, Annemarie Zand. Quantitative Methods. Coursera.org, Jan. 2018 / Mai. 2018. 

Referências

[1] Júlio César Medeiros da S. Pereira é Dr. Em História da Ciência e da Saúde pela Fiocruz e professor Adjunto de História Contemporânea da UFF. Também atua como pesquisador no Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos.

[2] https://ctsflavio.files.wordpress.com/2016/02/a-m-scholten-origins.pdf

[3] http://www.sankofa.periodikos.com.br/article/5c7edc480e8825a030016ca8

 

Você pode baixar este artigo clicando em:

As origens do Método Ciêntifico Moderno e suas abordagens

Documentário Saúde e Adoecimento de Populações Quilombolas

Postado por MEDEIROS DA SILVA PEREIRA em 22 mar 2019

Documentario produzido pelos alunos do curso de Licenciatura Especial em Educação do Campo, da UFF, campus Santo Antônio de Pádua, como trabalho final do Tempo Comunidade 18.2, sob a coordenação do Prof. Júlio César Medeiros.

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