Postado por MEDEIROS DA SILVA PEREIRA em 29 abr 2025
O Cemitério dos Pretos Novos, localizado na atual Rua Pedro Ernesto, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, representa um dos capítulos mais dolorosos — e, por muito tempo, esquecidos — da história brasileira. Entre 1769 e 1830, o local serviu como destino final de milhares de africanos escravizados que morriam logo após o desembarque. Este artigo baseia-se em diversas fontes históricas, arqueológicas e acadêmicas, com destaque para a obra À Flor da Terra: o Cemitério dos Pretos Novos no Rio de Janeiro (PEREIRA, 2014), referência fundamental para o entendimento deste sítio histórico.
Antes da instalação do cemitério, a área da atual Gamboa era um espaço de transição entre o núcleo urbano do Rio colonial e o mar. Conforme destaca Pereira (2014), tratava-se de um trecho arenoso, sem edificações de relevo, usado como passagem para tropas e atividades de pesca. A região estava além dos limites formais da cidade até meados do século XVIII.
Com a transferência do mercado de escravos para a região do Valongo em 1774, ordenada pelo Marquês do Lavradio, o cenário mudou radicalmente. Trapiches, galpões e armazéns surgiram para atender ao tráfico negreiro. Entre essas estruturas improvisadas, surgiu também o cemitério destinado aos “pretos novos” — os africanos recém-desembarcados que não resistiam às condições desumanas da travessia e da quarentena (PEREIRA, 2014).
O Porto do Valongo tornou-se o principal ponto de entrada de africanos escravizados nas Américas. Estima-se que milhões de pessoas passaram por ali. Conforme registra Pereira (2014), o volume de africanos era tão intenso que gerava um fluxo contínuo de corpos para o cemitério, com alta mortalidade entre crianças e adolescentes.
A expressão “pretos novos” aparece reiteradamente nos registros paroquiais analisados, marcando o estatuto mercantil dos indivíduos antes mesmo de serem vendidos. O local, de intensa atividade comercial, refletia a brutalidade da escravidão em sua forma mais crua.
Em 1769, o Vice-Rei do Brasil autorizou oficialmente a criação do Cemitério dos Pretos Novos. Segundo Pereira (2014), o local não foi concebido como um campo-santo tradicional, mas como um espaço de descarte rápido de cadáveres, sem túmulos individualizados, sem rituais cristãos, sem dignidade.
Corpos eram atirados em valas rasas ou queimados para dar lugar a novas remessas de mortos. A ausência de cerimônias revela o grau extremo de desumanização a que eram submetidos aqueles seres humanos (PEREIRA, 2014).
De acordo com os levantamentos de Pereira (2014), entre 1824 e 1830, 6.122 sepultamentos foram registrados, número seguramente inferior ao real. Os restos encontrados no sítio arqueológico indicam uma predominância de crianças, adolescentes e jovens adultos, o que expõe a vulnerabilidade dos recém-chegados.
As condições do cemitério eram brutais: corpos deixados expostos, enterrados superficialmente ou queimados. As chuvas frequentemente desenterravam ossos, gerando escândalo público e problemas sanitários. Esse tratamento cruel contrastava com os princípios religiosos professados pela sociedade colonial (PEREIRA, 2014).
Em 1830, o cemitério foi desativado. As causas foram diversas: o incômodo sanitário, a pressão dos moradores e as novas exigências diplomáticas internacionais, com a assinatura do tratado anti-tráfico entre Brasil e Inglaterra (PEREIRA, 2014).
Logo após seu fechamento, a região foi objeto de intensos aterros, obras e mudanças urbanísticas. A área passou a abrigar trapiches, armazéns e posteriormente prédios residenciais. Durante o Segundo Reinado, com a construção do Cais da Imperatriz, as últimas lembranças visíveis do antigo cemitério foram soterradas sob novas camadas de modernização urbana.
Pereira (2014) ressalta que esse processo de transformação física foi acompanhado de uma transformação simbólica: a tentativa deliberada de apagar a memória da escravidão do espaço público carioca.
A rua onde se situava o cemitério passou a ser conhecida como Rua do Cemitério. Posteriormente, em 1853, foi rebatizada como Rua da Harmonia — uma escolha não inocente, conforme observa Pereira (2014), já que buscava dissociar a área de sua história traumática.
Em 1946, já no século XX, a rua recebeu o nome de Rua Pedro Ernesto, homenagem ao ex-prefeito do Rio de Janeiro. Cada mudança toponímica contribuiu para ocultar ainda mais a memória do Cemitério dos Pretos Novos, reforçando a invisibilidade histórica dos africanos ali sepultados.
O antigo cemitério permaneceu esquecido até 1996, quando obras particulares revelaram a presença de ossadas humanas durante reformas em uma residência da Rua Pedro Ernesto. A descoberta levou à criação do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), que, como destaca Pereira (2014), cumpre hoje um papel fundamental na preservação da memória e na valorização da história afro-brasileira.
O IPN abriga o Memorial dos Pretos Novos, um espaço de educação, pesquisa e memória. Desde então, o sítio passou a integrar o Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana e contribuiu para a candidatura bem-sucedida do Cais do Valongo como Patrimônio Mundial da Humanidade, reconhecido pela UNESCO.
A reemergência do Cemitério dos Pretos Novos marca não apenas a redescoberta de um sítio arqueológico, mas a possibilidade de o Brasil encarar seu passado com a coragem necessária para construir um futuro mais justo.
As pesquisas sobre o Cemitério dos Pretos Novos continuam a avançar. A análise minuciosa dos registros da Freguesia de Santa Rita, cruzada com achados arqueológicos recentes e novas leituras demográficas, tem revelado tendências inéditas sobre o perfil etário, a frequência de navios negreiros por período e a organização espacial das valas comuns.
Dados preliminares apontam uma predominância ainda maior de crianças e adolescentes entre os sepultados, especialmente entre os anos de 1812 e 1818, o que reforça o caráter genocida do tráfico em sua fase terminal. Estes elementos estão sendo sistematizados e serão apresentados em uma próxima publicação acadêmica.
Essa nova etapa da pesquisa reafirma um compromisso que não é apenas historiográfico, mas ético: dar nome, corpo e voz àqueles que, no silêncio da terra, esperam ser lembrados.
O Cemitério dos Pretos Novos é símbolo do sofrimento, da desumanização e também da resistência dos povos africanos trazidos à força para o Brasil. Sua história nos lembra que as raízes do Brasil moderno estão profundamente entrelaçadas com a dor da escravidão, mas também com a força e a perseverança dos que sobreviveram.
A redescoberta desse local, e o trabalho de preservação liderado por instituições como o IPN e por pesquisadores como Júlio César Medeiros da Silva Pereira, oferecem uma oportunidade histórica de memória, reconhecimento e transformação.
A história, como a flor que brota da terra marcada pela dor, segue viva — e deve ser contada.
PEREIRA, Júlio César Medeiros da Silva. À flor da terra: o Cemitério dos Pretos Novos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Garamond, 2014.
LOPES, Nei. O Rio Negro: memória e identidade. Rio de Janeiro: Pallas, 2015.
FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O Arcaísmo como Projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro (1790-1840). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
GUEDES, Roberto. Pretos Novos: arqueologia histórica e memória da escravidão no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPHAN, 2011.
UNESCO. Cais do Valongo – Patrimônio Mundial. Paris: UNESCO, 2017.
Postado por MEDEIROS DA SILVA PEREIRA em 01 mar 2025
“No Carnaval de 2025, a Estação Primeira de Mangueira apresenta, na Marquês de Sapucaí, um enredo que mergulha na história e na resistência do povo negro no Brasil. Com o título “À Flor da Terra – no Rio da Negritude entre Dores e Paixões”, a escola de samba vai contar a narrativa retratada no livro À flor da terra: o cemitério dos Pretos Novos no Rio de Janeiro, do professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), Júlio César Medeiros da S. Pereira. A obra, fruto de uma extensa pesquisa acadêmica, aborda a memória do Cemitério dos Pretos Novos, local onde escravizados eram enterrados de forma precária, “à flor da terra”, refletindo a desumanização e o descaso da época.
O enredo, idealizado pelo carnavalesco Sidnei França, estreante no Carnaval carioca, promove uma reflexão sobre o apagamento e a invisibilidade do povo preto desde a chegada dos escravizados ao Cais do Valongo, no Rio de Janeiro. França, que acumula cinco títulos em São Paulo, optou por explorar as influências dos povos bantos na cultura brasileira, ao dar destaque à sua contribuição para a formação sociocultural do Rio de Janeiro.
A pesquisa de Pereira, que serviu de base para o enredo, revisita uma das páginas mais sombrias da história do Brasil e investiga as práticas de sepultamento dos escravizados africanos recém-chegados ao país entre 1722 e 1830. O trabalho, originalmente uma dissertação de mestrado, utiliza documentos históricos como livros de óbitos, relatos de viajantes, jornais da época e dados arqueológicos para reconstruir a história desse local de memória e dor.
O Cemitério dos Pretos Novos foi criado exclusivamente para enterrar escravizados que morriam logo após a chegada ao Brasil, antes de serem vendidos no Valongo. Funcionou inicialmente no Largo de Santa Rita, no centro do Rio, e depois foi transferido para o Valongo, região portuária da cidade, por ordem do vice-rei Marquês do Lavradio. O local, que operou de 1774 a 1830, era marcado pela desumanização: os corpos eram enterrados de forma precária, “à flor da terra”, ou seja, eram deixados ao solo sem sepultamento, ritual religioso ou qualquer respeito pelos mortos. Os que eram sepultados, eram esquecidos nus, envoltos em esteiras, em valas comuns.
A pesquisa de Medeiros destaca que o aumento do tráfico negreiro no início do século XIX levou a uma superlotação do cemitério. “Entre 1824 e 1830, mais de seis mil escravizados foram enterrados no local, mas se levarmos em conta desde a sua fundação, em 1774 até 1830, seriam mais de vinte mil sepultamentos. O fechamento do cemitério em 1830 coincidiu com o tratado de extinção do tráfico de escravos, assinado com a Inglaterra. No entanto, a prática de sepultamentos precários continuou em outros locais”.
Ainda segundo o professor, “a localização do Cemitério dos Pretos Novos foi perdida, até que em 1996, na Rua Pedro Ernesto, 35. (Antiga rua do Cemitério), o casal Mercedes e Petrúcio, descobriram as ossadas, ao fazerem a reforma do imóvel recém-adquirido. Ali estava o cemitério de escravizados esquecidos, os quais nunca tiveram seus corpos devidamente sepultados.”
A análise da violência cultural praticada no Cemitério dos Pretos Novos é um dos pontos-chave do livro. O professor explora como as práticas de sepultamento desrespeitavam tanto as tradições católicas quanto as crenças bantos, predominantes entre os escravizados. “Na cultura banto, os rituais fúnebres eram essenciais para garantir que os mortos se integrassem ao mundo dos ancestrais. A falta desses rituais transformava os mortos em ‘desgarrados’, espíritos que atormentariam os vivos. Para os escravizados, essa violência simbólica somava-se ao trauma da escravização e do desenraizamento.”, explica o autor.
Imagem oficial do carnaval 2025 da Mangueira — Foto: Divulgação
O estudo também revela a relação do cemitério com a cidade do Rio de Janeiro. Com isso, a Mangueira, conhecida por seus enredos que abordam temas sociais e históricos, promete transformar a Sapucaí não só em um palco de celebração, mas também de reflexão. O desfile vai explorar as dores e paixões que permeiam a vivência da população negra no Rio de Janeiro, destacando a luta contra o apagamento histórico e a busca por reconhecimento e igualdade.
O que antes era cemitério, hoje é o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, um sítio arqueológico, fruto de esforços de preservação e valorização da memória negra no Rio de Janeiro, do casal Mercedes e Petruchio e diversos pesquisadores que se juntaram a eles em prol da causa. A pesquisa de Pereira ilumina um capítulo pouco conhecido da história brasileira e contribui para a luta contra o apagamento da identidade e da cultura afro-brasileira. Em 2025, essa história será levada à Sapucaí pela Mangueira, em um desfile que promete emocionar e conscientizar o público sobre a importância de resgatar essas memórias.”
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Júlio César Medeiros da Silva Pereira é Doutor em História da Ciência e da Saúde pela Fiocruz. É professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense, pesquisador do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos e Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa SANKOFA-UFF.
Postado por MEDEIROS DA SILVA PEREIRA em 22 fev 2025
Hoje foi ao ar, no canal da @oficialmangueira no YouTube, a entrevista em que compartilho a emoção de ver meu livro À Flor da Terra: O Cemitério dos Pretos Novos ganhar vida no enredo do Carnaval 2025! 🎭✨
O Cemitério dos Pretos Novos é mais do que um registro de dor — é um território sagrado da memória africana no Brasil. Ali, onde tantos corpos foram sepultados sem voz, a cultura Banto resiste em cada fragmento, revelando histórias de luta, espiritualidade e ancestralidade. Transformar essa história em samba é dar voz ao que ficou à flor da terra, permitindo que a Sapucaí se torne palco de uma profunda reflexão sobre memória e resistência.
Meu sincero agradecimento à Mangueira, que mais uma vez mostra seu compromisso com as histórias invisibilizadas, e ao talentoso carnavalesco @sidney_franca , cuja sensibilidade e criatividade trouxeram essa narrativa à luz e deu vida a um enrredo fantástico que homenageia a cultura banto de forma magistral.
Confira a entrevista completa no YouTube pelo link a baixo:
Postado por MEDEIROS DA SILVA PEREIRA em 11 dez 2024
Jardim Botânico do Rio de Janeiro inaugura, nesta sexta-feira (29/11), o Memorial das Mãos Negras que Edificaram o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. A iniciativa tem como objetivo trazer ao conhecimento do público uma parte da história até então silenciada: a contribuição fundamental de homens e mulheres negros na edificação da instituição. A cerimônia de inauguração será às 11h, e contará com a presença da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.
A proposta é reconhecer e visibilizar esses trabalhadores cujos nomes e histórias foram apagados das narrativas oficiais. Serão tornados públicos os nomes e a participação de pessoas negras escravizadas – homens, mulheres e crianças – na construção do Jardim Botânico na primeira metade do século XIX. A obra visa promover a valorização histórica e cultural dos trabalhadores negros, criando um espaço de memória e reflexão.
Localizado entre o Museu do Jardim Botânico e a Biblioteca Barbosa Rodrigues, o Memorial das Mãos Negras ocupará uma região simbólica, onde foram colocadas ossadas encontradas em local ocupado pela Embrapa Solos, vizinho ao Jardim Botânico, entre os anos de 1979 e 1981.
O Memorial conta com placas informativas sobre a história dos trabalhadores negros e o contexto da construção do Jardim Botânico. O local também tem um espaço expositivo para artistas negros. Ainda compõe o espaço um banco para contemplação, com jardineiras integradas, compostas por plantas ritualísticas e africanas, escolhidas para valorizar a ancestralidade e as tradições culturais afro-brasileiras.
Segundo o presidente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Sergio Besserman Vianna, o Memorial representa um ato de reparação às pessoas escravizadas.
– O Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, por intermédio da inauguração do Memorial das Mãos Negras, acompanha o governo federal em seu pedido de desculpas às pessoas negras escravizadas que construíram parte tão expressiva da história da nossa sociedade. O Memorial é um ato de reparação às pessoas negras escravizadas que edificaram o Jardim Botânico, plantando, construindo e sendo a principal fonte de conhecimento botânico na criação do Jardim. A instituição expressa formalmente suas desculpas, seu reconhecimento e sua gratidão. O ato será seguido de internalização de políticas e cultura antirracistas, pesquisa histórica sobre os assentamentos de pessoas escravizadas na Zona Sul do Rio de Janeiro e pesquisa arqueológica contextualizando historicamente a presença dos edificadores do Jardim – ressalta Besserman Vianna.
O Memorial dá início à implementação de um plano de ações afirmativas no Jardim Botânico do Rio, como, por exemplo, a criação do Polo RJ de letramento corporativo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
Os trabalhos contam com a colaboração de uma comissão consultiva formada pelos pesquisadores Ivanir dos Santos (coordenador), Alda Heizer, Helena Theodoro, Julio Cesar Medeiros da Silva Pereira e Mariana Gino, além de um grupo de trabalho formado por servidores do Jardim Botânico: Marcia Faraco (coordenadora), Deborah Tavares Marinho e Marcelo Ferreira dos Santos. As ações estão alinhadas à agenda de gênero, raça, diversidade e inclusão promovida pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Leia a Matéria completa em:
Postado por MEDEIROS DA SILVA PEREIRA em 11 dez 2024
O Bloco Carnavalesco Filhos de Gandhi apresenta, com orgulho, como temática para o carnaval de 2025 a emblemática Revolta dos Malês, um marco indelével da resistência negra no Brasil, que ecoa até os dias de hoje. O desfile deste ano não se limita a celebrar a história de luta e bravura dos africanos muçulmanos que se insurgiram contra a opressão escravista; é um tributo à memória daqueles que, com coragem e fé, desafiaram o sistema que os aprisionava.
Em um ritmo pulsa que vibra nas batidas da nossa ancestralidade, o enredo traça paralelos entre luta pela liberdade, pela preservação cultural e espiritual da época e os desafios que o próprio bloco, bem como o nosso povo preto tem enfrentado em uma sociedade cada vez mais injusta. Cada passo dado na avenida reverberará a luta contínua pela dignidade e pelo reconhecimento, enquanto a história se entrelaça com o presente, nos lembrando que, o apagamento histórico social não passará incólume diante da nossa manifestação cultural.
Através dessa escolha temática, o Bloco Filhos de Gandhi reafirma seu compromisso em manter viva a chama da herança afro-brasileira, um fogo que brilha intensamente em meio às intempéries e obstáculos que as organizações que defendem a cultura popular, especialmente a de nosso povo negro, enfrentam. Em cada canto, em cada sorriso, se revela a força de um legado que se recusa a ser silenciado, um eco de resistência que se levanta contra o esquecimento, prometendo que a luta por justiça e liberdade nunca cessará.
Neste carnaval, ao desfilarem, os integrantes do Bloco Filhos de Gandhi não apenas celebram um passado glorioso, mas também escrevem novas páginas na história, relembrando que a resistência é uma herança que transcende gerações e que o legado dos Malês vive nas veias de cada um que se levanta, unindo-se em um só grito de liberdade e esperança.
Fundado em meio ao contexto cultural da Pequena África, o Bloco Afoxé Filhos de Gandhi possui uma trajetória marcada pela resistência e preservação da memória ancestrálica, o que o torna um guardião das tradições africanas em território carioca. O enredo de 2025 busca homenagear a Revolta dos Malês, revisitando a história de africanos muçulmanos, originários de sociedades islâmicas da África Ocidental, que foram trazidos ao Brasil pelo infame comércio do tráfico negreiro. Esses homens e mulheres, conhecidos por sua profunda fé e organização social, mantinham práticas religiosas, como a leitura do Alcorão e o uso do árabe como idioma de resistência, que se tornaram centrais para a organização da insurreição.
A escolha desse tema para o desfile de 2025 reflete a própria história do Bloco Afoxé Filhos de Gandhi, que, tal como os Malês, luta pela preservação de sua identidade cultural em meio a adversidades. Assim como os Malês enfrentaram o apagamento de suas práticas culturais e religiosas sob o jugo da escravidão, o bloco Afoxé Filhos de Gandhi inspirado no Ijexá Filhos de Gandhy, bloco carnavalesco criado em Salvador, dois anos antes e que se apresentava tocando o ijexá, e entoando na língua iorubá, iniciou sua organização em torno de componentes que moravam afastados do perímetro urbano, provenientes das camadas mais pobres e subalternizadas da população. Seus integrantes moravam majoritariamente em bairros afastados da área central da cidade, sobtudo, oriundos das camadas populares mais pobres e marginalizadas da população carioca que, enfrentaram sucessivos processo de apagamento histórico, tal como os escravizados Malês, com garra e resistência.
A Revolta dos Malês, um levante minuciosamente planejado e inspirado pos escravizados islâmicos, demonstrou o poder de uma comunidade organizada em torno de sua identidade cultural e espiritual. “malês” que no idioma Iorubá significa muçulmano, contava com cerca de 600 africanos escravizados, cujos lideres Ahuna; Dassalu; Gustar; Pacífico Licutan; Sule ou Nicobé; Manoel Calafete (escravizado liberto); Elesbão do Carmo e Luís Sanim; haviam combinado para que a revolta se desse no final do Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos que marcava “Lailat al-Qadr”, a festa da Noite da Glória — ocasião que entrou para a história como o dia da revelação do Corão a para Muhammad (Maomé), o profeta do islamismo.
Organizados em torno de seus ideais de liberdade, irrompeu na madrugada do dia 25 de janeiro de 1835, como um clamor audacioso contra a opressão escravagista, tragicamente frustrado quando a trama de seus protagonistas foi denunciada, fazendo desmoronar todo um plano cuidadosamente elaborado. Esses valentes escravizados urbanos, que desfrutavam de uma relativa liberdade de locomoção, sonharam com um futuro onde poderiam resgatar e preservar sua dignidade e identidade.
O espírito islâmico permeava a revolta, manifestando-se nos abadás brancos que adornavam os corpos dos revoltosos, um traje emblemático da tradição muçulmana. Muitos deles traziam consigo amuletos que continham passagens do Alcorão escritas em árabe, objetos que acreditavam conferir-lhes proteção contra os horrores da repressão. Assim, cada elemento da vestimenta e cada amuleto carregavam a esperança de um renascimento cultural e espiritual.
As ruas de Salvador se tornaram o palco de intensos combates, que ecoaram por horas a fio, onde a bravura e a determinação desses africanos se confrontaram com a brutalidade das forças opressoras. O trágico resultado levou à morte de 70 homens e mulheres que lutavam por suas vidas e liberdade, além de nove integrantes das forças que se opuseram a eles. A batalha final ocorreu em um local marcado pela história, conhecido como Água de Meninos, onde muitos, encurralados, buscaram a salvação nas águas do mar, apenas para encontrarem a morte em suas profundezas.
A Revolta dos Malês, mesmo em seu trágico fracasso, é um testemunho da coragem e do anseio por liberdade, uma chama que ainda ressoa nas almas de todos aqueles que lutam contra a opressão e pela dignidade.
As punições desferidas contra os envolvidos na Revolta dos Malês foram implacáveis, estendendo-se até mesmo aos libertos que, de alguma forma, não participaram da insurreição. Os castigos foram severos e implacáveis: prisão, açoites, deportação e execução tornaram-se o trágico destino dos revoltosos. Quatro deles, Jorge da Cruz Barbosa (Ajahi), Pedro, Gonçalo e Joaquim, foram condenados à morte e executados por fuzilamento, símbolos da coragem que se ergueu contra a opressão, mas que encontrou na brutalidade do sistema escravista, sua cruel punição. Jamais o poder instituído deixaria passar em branco, os pretos africanos e crioulos que ousavam sonhar com a tão desejada liberdade.
Esse levante ousado, embora tenha sido reprimido, contribuiu para intensificar a repressão sobre a população de escravizados e libertos em Salvador, gerando um clima de medo e desconfiança. Uma lei aprovada naquele ano determinava que todos os africanos e descendentes suspeitos de envolvimento em revoltas seriam deportados de volta ao continente africano. Estatísticas revelaram que milhares de negros foram enviados de volta à África, uma ação que revelava o desespero dos senhores de escravos diante da possibilidade de uma revolução que ecoasse os ecos da Revolução Haitiana.
Imbuídos deste mesmo espirito de luta, o Bloco Afoxé Filhos de Gandhi se ergue anualmente, dançando nas ruas da Pequena África, onde a memória ancestral pulsa com força. Em meio a adversidades, reafirma seu compromisso com a herança cultural e entoa um poderoso canto de liberdade. O enredo de 2025, ao lembrar a coragem indomável dos Malês, exalta a importância da transmissão cultural e da organização do povo preto, como faróis de resistência que iluminam o caminho em tempos de incertezas.
Como os Malês, que mantiveram viva sua fé e identidade em meio à opressão, o bloco reverencia, com seus atabaques e tamborins, a ancestralidade africana e suas diversas manifestações. Ele resiste ao apagamento cultural, enfrentando o peso do tempo e os desafios econômicos, transformando cada nota musical em um ato de afirmação.
O desfile de 2025 promete ser uma celebração da resiliência cultural, um hino à bravura. Tal como os Malês enfrentaram a repressão colonial com coragem e união, o bloco, em sua trajetória pelas vibrantes ruas do Rio de Janeiro, carrega o legado de resistência, desafiando a invisibilidade social e os obstáculos estruturais que tentam silenciá-lo.
Em cada batida de tambor e em cada marcação do surdo tocado, em cada canto entoado, o bloco será a voz dos Malês revividos, cuja memória jamais será esquecida e, em seu ritmo imponente, lembrando todos os agentes do apagamento histórico sofrido pelo povo negro, que o Haiti ainda é logo ali. O povo preto, agora se organiza, se levanta e luta. Salta o canto na avenida e reafirma o seu lugar de direito na sociedade e na história.
Autor: Júlio César Medeiros da Silva Pereira
Prof. Dr. em História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense e pesquisa dos do instituto de Memória e Pesquisa Pretos Novos.
Membro do Comitê Cientifico do Cais do Valongo
Membro do Comitê Consultivo do Memorial Mãos Negras (Jardim Botânico)
Postado por MEDEIROS DA SILVA PEREIRA em 10 jul 2024
omunicamos que a obra: EDUCAÇÃO DO CAMPO E ESCOLA:
OS SABERES DOCENTES E SUAS EPISTEMOLOGIAS, onde no qual há uma produção de minha autoria
É com imensa alegria que compartilho com os amigos o lançamento deste e-book, pelo qual tenho muito carinho, pois, além dos brilhantes trabalhos nele publicados por outros colegas, tive a honra de poder participar com um capítulo:
Cap. 3. O “Fazer-Se” de E.p. Thompson Como Contribuição à Educação do Campo
Postado por MEDEIROS DA SILVA PEREIRA em 15 set 2023
Prof. Júlio César Medeiros da S. Pereira
Resumo
A leitura de obras de autores como Bell Hooks, Frantz Fanon, Aimé Césaire, Silvio Almeida, Cida Bento, Eliane dos Santos Cavalleiro, Nilma Lino Gomes, Petronilha Beatriz Gonçalves, Kabengele Munanga e A. Bembe é essencial para o aprofundamento das questões raciais e de gênero e para a promoção da justiça social. Este ensaio examina a contribuição acadêmica de cada autor e suas respectivas obras, destacando como suas análises críticas têm enriquecido o debate acadêmico e social em prol de uma educação anti-racista. As citações a seguir ressaltam as ideias-chave de cada autor.
Introdução
A contribuição de autores para uma educação anti-racista desempenha um papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa e igualitária (Hooks, 1981). Para enriquecer esse debate e promover uma compreensão mais profunda desses temas, a leitura das obras de autores renomados se torna imperativa. Neste ensaio, exploraremos a contribuição acadêmica de autores como Bell Hooks, Frantz Fanon, Aimé Césaire, Silvio Almeida, Cida Bento, Eliane dos Santos Cavalleiro, Nilma Lino Gomes, Petronilha Beatriz Gonçalves, Kabengele Munanga e A. Bembe. Analisaremos suas obras e discutiremos como elas têm influenciado o pensamento crítico em relação à promoção de uma educação anti-racista.
Desenvolvimento
Bell Hooks: Interseccionalidade e Feminismo Bell Hooks é amplamente reconhecida por sua contribuição ao feminismo interseccional (Hooks, 1981). Em sua obra “Ain’t I a Woman?: Black Women and Feminism”, Hooks destaca a interconexão entre raça, classe e gênero na opressão enfrentada pelas mulheres negras. Ela argumenta que a luta feminista deve ser inclusiva e reconhecer a diversidade de experiências das mulheres.
A leitura de suas obras convida os estudantes a refletir sobre como essas interseções afetam as vidas das pessoas. Os estudantes podem se apropriar das obras de Hooks para questionar estereótipos e promover a igualdade de gênero e racial em suas próprias comunidades.
Frantz Fanon: Colonialismo e Psicologia da Opressão Frantz Fanon fornece uma análise profunda das implicações psicológicas do colonialismo e da luta pela independência (Fanon, 1961). Sua obra “Os Condenados da Terra” convida os leitores a questionar como a opressão afeta a identidade e a psicologia das pessoas.
A análise da obra citada oferece uma oportunidade para os estudantes refletirem sobre como a opressão afeta a identidade e a psicologia das pessoas (Fanon, 1961). Os estudantes podem considerar como a resistência é uma busca por dignidade e liberdade, e como podem aplicar essas lições ao desafiar sistemas opressivos.
Aimé Césaire: Desumanização do Colonialismo Aimé Césaire, através de seu poema “Discurso sobre o colonialismo”, lança luz sobre a desumanização imposta pelo colonialismo europeu (Césaire, 1950). Ele denuncia a exploração brutal das colônias africanas e caribenhas e ressalta a urgência da resistência.
podemos explorar, a partir da sua obra, como a literatura e a arte podem ser ferramentas poderosas para despertar a conscientização, nos apropriando das suas obras para que possamos considerar como as narrativas coloniais ainda têm impacto hoje e como podem contribuir para mudanças.
Silvio Almeida: Racismo Estrutural no Brasil Silvio Almeida se concentra na análise do racismo estrutural no contexto brasileiro (Almeida, 2018). Suas obras convidam os leitores a considerar como o racismo está enraizado nas instituições e nas interações cotidianas.
A leitura de sua obra, pode nos ajudar a examinar como o racismo se manifesta em sua própria sociedade e como podemos trabalhar para desmantelá-lo.
Cida Bento: Ativismo e Igualdade Racial Cida Bento é uma destacada ativista e pesquisadora que atua na promoção de políticas de igualdade racial, especialmente no campo jurídico.
A sua contribuição é sobretudo, o entendimento de como o ativismo pode ser uma ferramenta eficaz na promoção da igualdade racial. Devemos, pois nos Eles podem se apropriarmos das estratégias de ativismo apresentadas por Bento para iniciar ou se envolver em ações em suas próprias comunidades.
Eliane dos Santos Cavalleiro: Educação Anti-racista Eliane dos Santos Cavalleiro é uma referência na promoção da educação anti-racista no Brasil. Em “Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola”, (Cavalleiro, 2001). ela fornece orientações importantes para uma educação inclusiva e equitativa.
Uma das suas contribuições é ter feito poderosas reflexões sobre como podemos e devemos contribuir para uma educação mais inclusiva em suas próprias escolas e instituições de ensino.
Nilma Lino Gomes: Ação Afirmativa na Educação Nilma Lino Gomes concentra-se na promoção da igualdade racial na educação. Seu livro “Diversidade Étnico-Racial na Escola” (Gomes, 2006) oferece diretrizes para a implementação de políticas de ação afirmativa nas instituições de ensino. Assim, seu trabalho sobre as a ações afirmativas podem ser uma ferramenta eficaz para corrigir desigualdades históricas na educação e considerar como podem promovê-la em seus próprios contextos educacionais.
Petronilha Beatriz Gonçalves: Estudos Pós-coloniais e Decolonização Petronilha Beatriz Gonçalves é uma importante voz nos estudos pós-coloniais e de decolonização (Gonçalves, 2011). Suas obras problematizam as estruturas de poder que perpetuam o racismo no Brasil. Seu trabalho contribui para com oo questionamento de como o conhecimento é construído e como as narrativas dominantes podem ser desafiadas. Ao estudá-la, devemos considerar como aplicar as perspectivas pós-coloniais à análise de questões raciais em suas próprias comunidades.
Kabengele Munanga: Racismo no Brasil e no Mundo Kabengele Munanga é conhecido por sua pesquisa sobre a questão racial no Brasil e em outras partes do mundo (Munanga, 1996). Sua obra “Rediscutindo a mestiçagem no Brasil” é fundamental para entender as complexas dinâmicas raciais no país. Seu trabalho, dentre outras coisas, permite que os estudantes compreendam as complexas dinâmicas raciais no Brasil.
Podemos, então nos apropriarmos dessas leituras para refletirmos sobre como as identidades raciais são construídas em suas próprias sociedades e como a diversidade étnico-racial é abordada.
A. Bembe (Achille Mbembe): Crítica da Razão Negra A. Bembe, pseudônimo de Achille Mbembe, oferece uma análise crítica do pós-colonialismo e da política contemporânea (Mbembe, 2013). Se trabalho nos leva refletirmos sobre como as perspectivas pós-coloniais podem ser aplicadas à análise das questões políticas em seus próprios contextos e como podem contribuir para mudanças positivas.
Conclusão
A leitura das obras desses renomados autores é crucial para a promoção de uma educação anti-racista. Suas contribuições acadêmicas têm enriquecido o debate, fornecendo insights valiosos para a promoção da justiça social e da igualdade através da educação. Ao incorporar suas perspectivas em nosso pensamento e prática, podemos avançar em direção a uma sociedade mais inclusiva e equitativa.
Bibliografia
ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. Polén, 2018.
CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. Editora Contexto, 2001.
CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Présence Africaine, 1950.
FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Editora Civilização Brasileira, 1961.
GOMES, Nilma Lino. Diversidade Étnico-Racial na Escola. Autêntica, 2006.
GONÇALVES, Petronilha Beatriz. Relações Étnico-Raciais e Educação: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Autêntica, 2011.
HOOKS, Bell. Ain’t I a Woman?: Black Women and Feminism. South End Press, 1981.
MBEMBE, Achille (A. Bembe). Crítica da Razão Negra. Antígona, 2013.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil. Global, 1996.
Postado por MEDEIROS DA SILVA PEREIRA em 24 Maio 2023
Na segunda aula do curso de extensão “A saga dos pretos novos”, mergulharemos profundamente na análise do tráfico atlântico de escravos, focando especificamente nas experiências e nas condições enfrentadas por homens e mulheres nesse contexto histórico. Abordaremos a temática sob a ótica da desigualdade de gênero, destacando as distintas realidades vivenciadas por cada um dos sexos durante essa terrível época.
O tráfico atlântico de escravos foi um dos capítulos mais sombrios da história da humanidade, no qual milhões de indivíduos foram capturados em terras africanas e submetidos a um destino de exploração, violência e sofrimento. No entanto, é importante compreender que homens e mulheres enfrentaram diferentes experiências dentro desse terrível sistema.
Durante a aula, exploraremos como os homens escravizados eram frequentemente selecionados e tratados de maneira distinta das mulheres. Enquanto os homens eram vistos como força de trabalho braçal, destinados principalmente a trabalhos pesados nas plantações, as mulheres eram frequentemente exploradas também para o trabalho doméstico e sexual. Examinaremos as condições vivenciadas por ambos os sexos, destacando as formas de violência, as doenças, a falta de higiene e os impactos psicológicos decorrentes desse sistema desumano.
Além disso, discutiremos as estratégias de resistência adotadas por homens e mulheres escravizados. Veremos como, apesar das adversidades, esses indivíduos encontraram maneiras de preservar suas culturas, recriar formas de sociabilidade e resistir às opressões impostas. Abordaremos também as diferentes percepções de masculinidade e feminilidade dentro desse contexto, e como essas noções influenciaram a experiência de homens e mulheres escravizados.
Nesta aula, convidamos você a refletir sobre as diferenças de gênero no tráfico atlântico de escravos, reconhecendo a necessidade de uma análise mais aprofundada das experiências vividas por homens e mulheres. Ao compreendermos as nuances dessas realidades, poderemos construir uma visão mais completa e sensível do passado, contribuindo para uma sociedade mais justa e igualitária no presente.
Esperamos que você se junte a nós nessa jornada de conhecimento e reflexão, na qual iremos desvendar as complexidades da saga dos pretos novos e promover o resgate histórico de vozes silenciadas por tanto tempo. Prepare-se para uma aula enriquecedora e provocativa, que certamente ampliará sua compreensão sobre o tráfico atlântico de escravos e suas repercussões.
Postado por MEDEIROS DA SILVA PEREIRA em 24 dez 2022
Desde criança sempre fiquei intrigado com o céu e as suas estrelas. Ficava horas por noite a olhar o brilho dos seres celestes refletindo no escuro céu azul. Pontos brancos refletindo ao longe. Saber que estão a milhares de anos luz daqui, mais tarde, me deixou ainda mais confuso. Talvez tão intrigado quanto os cientistas hoje ao terem que explicar, a cada dezembro, o que foi que os magos virão no céu, no nascimento de Jesus. A famosa estrela da Belém.
O problema é que, cientificamente falando, não há prova de nenhuma de que tenha havido alguma estrela cadente nesta época.
Também podemos descartar supernovas, pois para serem vistas a olho nu, teriam que estar muito próximos, e além disto, elas deixa um vestígio que podemos detectar – mas os astrônomos não encontraram nada que datasse dessa época. Também não há outros relatos sobre isso, o que é estranho, já que muitas pessoas ficariam impressionadas com algo tão grande e brilhante no céu.
maior estrela ou planeta. Outras hipóteses referem-se às estrelas mais proeminentes em nosso céu noturno, como Vênus, Júpiter e Marte, ou Sirius (a estrela mais brilhante, na constelação do Cão Maior).
Alguns pesquisadores calcularam onde os Três Reis Magos iriam parar se os seguissem e nenhuma apontou para Israel. Por exemplo, Sirius levaria ao Polo Sul. Na verdade, se seguissem qualquer estrela, viva ou morta, provavelmente permaneceriam onde estavam. As estrelas nascem e se põem em nossos céus todos os dias, elas não param.
A resposta a este mistério, talvez seja que, o “magos” não seguiam um estrela, mas um conjunto de fenômenos no céu. Os “magos” provavelmente eram em parte astrônomos/astrólogos (os dois campos estavam intimamente relacionados há mais de 2.000 anos) e estavam interpretando o céu. Não por acaso eles eram babilônicos, a Babilônia possuía um avançado conhecimento avançadíssimo sobre as orbitas celestes e produziam mapas, calendários e representações celestes avançadíssimas. O fato de terem solicitado informações sobre os recém-nascidos quando chegaram à área sugere que talvez eles não tenham sido guiados ao destino final por um único corpo celeste.
Eles podem ter encontrado significado em certos arranjos de planetas e estrelas do qual Júpiter faria parte, pois além de ser muito brilhante, também estava associado à realeza.
A possibilidade mais astronomicamente plausível é que a Estrela de Belém seja resultado de uma conjunção – quando dois ou mais corpos celestes, como a Lua e um planeta, aparecem muito próximos em nosso céu, ou mesmo “se tocam” (do nosso ponto de vista). Linha de visão, uma vez que estão a milhares de quilômetros de distância no espaço). Esse tipo de evento pode durar dias ou semanas com pouca mudança de local. Se os Três Reis Magos seguirem uma conjunção, eles podem de fato terem sido guiados em uma direção particular. A Bíblia diz que eles viram o sinal do céu enquanto estavam em seu próprio país (Babilônia); quando eles deixaram Jerusalém para Belém, eles a viram novamente. Depois que encontraram Jesus, a estrela desapareceu.
O alinhamento com maior probabilidade de ter acontecido é a chamada conjunção tripla (quando aparece no céu três vezes em um curto período de tempo) entre Júpiter e Saturno – os dois maiores planetas do sistema solar. Isso é resultado de seu alinhamento com o Sol e a Terra – que em um ponto os ultrapassou, criando um movimento retrógrado pronunciado. Foi um evento raro (ou seja, impressionou os curiosos) e sabemos que aconteceu em dezembro do ano 6 d.C., segundo a matéria publicada na Tilt, de hoje, de onde retiro estes dados.
Seja como for, algumas coisas podemos trazer de lições sobre o evento.
1° Há indícios científicos de que este fenômeno tenha ocorrido;
2° Este fato atesta a avançada ciência babilônica;
3° Havia uma expectativa mundial (Pelo menos no mundo conhecido) pelo nascimento do Messias;
4° O próprio Israel não o estava aguardando, apesar de todos os sinais.
E hoje, depois de crescido, ainda fico olhando para o céu em dezembro e intrigado, passo o meu tempo escrevendo sobre isto … Vá entender.
Fonte: Mistério de Natal: o que era a Estrela de Belém? Ciência tenta explicar… 24/12/2002. Marcelo Duarte – Tiltastrofalls
Foto de capa: @astrofalls
A 3ª é o fenômeno visto aqui no Brasil, registrado por @alexsandromota805,
Conceição do Coité – BA
Postado por MEDEIROS DA SILVA PEREIRA em 30 jun 2022
RESENHA
Por: Pollyana Feitosa – Aluna do 5° Período de História, Universidde Federal Fluminense.
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. São Paulo: Companhia das Letras. [3ª ed., 2001.]
O historiador e cientista político José Murilo de Carvalho nasceu em Andrelândia, Minas Gerais, no dia 8 de setembro de 1939. Graduou-se em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1965. Obteve seu mestrado e doutorado em ciências políticas na universidade de Stanford, com tese sobre o Império brasileiro. Foi eleito para a Academia Brasileira de Ciências em 2003 e para a Academia Brasileira de Letras em 2004, tendo organizado e publicado 19 livros e mais de 100 artigos científicos. Suas pesquisas se concentram no Brasil Império e Primeira República, com destaque nos assuntos sobre a construção da cidadania brasileira e republicanismo ressaltando as suas especificidades. Suas principais obras são: A Construção da Ordem: A Elite Política Imperial publicado em 1980; Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi (1987); Teatro de sombras: A Política Imperial (1988); A formação das almas: O Imaginário da República no Brasil (1990). Em sua trajetória acadêmica ele recebeu cerca de 12 prêmios e medalhas, dentre eles o prêmio Jabuti de ciências sociais.
Os bestializados e a república que não foi, livro objeto desta resenha, se tornou um clássico da historiografia brasileira, no qual o autor analisa o quadro de instauração do novo regime, a República. Vale a pena ressaltar, que o livro é dividido em cinco capítulos, 196 páginas e um interessante caderno de fotos ao final mostrando a visão da época. A escolha do autor de trazer estas ilustrações enriquecem a leitura e proporciona ao leitor uma experiência de imersão naquela realidade. Desse modo, o objetivo desta resenha é fazer um panorama dos capítulos e ressaltar a importância desta obra para a historiografia, seus engajamentos e metodologia.
Na introdução, o autor deixa evidente que vai debruçar-se sob a cidade do Rio de Janeiro, delimitando o seu recorte temporal que vai da transição do Império para a República, chegando até o governo de Rodrigues Alves. Ao discorrer da leitura, percebe-se que o autor dialoga com diversos intelectuais, isto por sua vez, também compõe a sua narrativa onde o autor evidencia a percepção que essas atores sociais tinham acerca do povo.
Logo no início do texto, Carvalho destaca uma frase dita pelo médico residente do Brasil, Loius Couty, que ao analisar a situação sociopolítica da população brasileira, concluiu: “o Brasil não tem povo”. Carvalho ressalta que essa frase pode ser consequência de uma distorção elitista e de um etnocentrismo francês, pois a partir da Visão de Couty, fica subentendido que o povo brasileiro não tinha qualquer consciência política e alheio às transformações sociais que ocorriam naquele tempo. Portanto, o objetivo do autor é tentar o de tecer uma reflexão sobre a prática da cidadania no Brasil República.
No primeiro capítulo, O Rio de Janeiro e a República, o autor explica que o objetivo dele é tentar descrever sumariamente a natureza das mudanças de transformações econômicas, sociais, política e cultural, e examinar as suas consequências para a vida dos fluminenses, enfatizando o impacto do novo regime, que de certa forma, estava ancorado na opinião pública. Carvalho analisa, portanto, dados de crescimento populacional, aumento do número de imigrantes, sobretudo portugueses, e as condições nas quais estes trabalhadores tiveram que conviver e se adaptarem às novas condições de vida, baixos salários, falta de moradia, escassez de empregos, saneamento básico etc. Outro ponto importante levantado neste capítulo e que a historiadora Cidinha Brito ressalta em sua análise, é a questão da “Febre especulativa”
(…) após a abolição surgiram muitos problemas econômicos que, contribuíram para uma “febre especulativa”. Desde o império, vinha sendo emitido dinheiro para pagamento de salários, que agora os cafeicultores tinham que dispor. […] “por dois anos, o novo regime pareceu uma autêntica república de banqueiros, onde a lei era enriquecer a todo custo com dinheiro de especulação” (pág. 20). A inflação, a queda do câmbio, o aumento da imigração fez aumentar o custo de vida, além dos preços altos, os moradores da cidade do rio tinham de lidar com a constante disputa por trabalho, o que foi a causa do surgimento do movimento jacobino em 1898. (Cidinha Brito, 2016.)
No capítulo seguinte, República e Cidadania, o autor ressalta que o fim do Império e o início da República foi uma época caracterizada por uma grande movimentação no campo das ideias, que em geral foram importadas da Europa, gerando, portanto, uma grande confusão ideológica, tendo em vista que essas ideias na maioria das vezes eram mal absorvidas ou de certo modo incorporadas de forma seletiva. Carvalho aponta neste capítulo para o conceito de povo, sua existência, e o fato de ter sido útil na instrumentalização da atuação política em alguns setores que lutavam pela ampliação da cidadania. Nele, o autor analisa, ainda, os conservadores e os anarquistas.
No capítulo Cidadãos inativos: a abstenção eleitoral, Carvalho inicia o texto com abordando um ponto chave para o entendimento do contexto da época, ele destaca que a efervescência ideológica nos períodos iniciais da República e as conflitantes propostas de cidadania apontavam tanto para a insatisfação com o passado, quanto para uma incerteza em relação ao futuro. Não há dúvidas de que o comportamento político brasileiro era visto como apático, porém o autor chama a atenção da necessidade de se ter cuidado, evitando uma análise apressada que, sem uma visão crítica, tome a fala da elite como verdade. O fato é que os estrangeiros buscavam no Brasil um cidadão ao estilo europeu, e se frustraram ao ver que o povo fluminense não se encaixava nos moldes eurocêntricos.
No capítulo Cidadãos ativos: a Revolta da vacina, talvez o mais conhecido e citado dentre todo o livro, o objetivo do autor é tentar capturar o que seria a concepção dos direitos e deveres nas relações entre indivíduo e Estado, analisando a maior participação popular, a Revolta da Vacina, esclarecendo a composição popular insurgente e as suas motivações. Carvalho apresenta então o contexto social do Rio de Janeiro; as reformas urbanas; as obras públicas; a questão do saneamento básico e a polêmica da implementação da vacina obrigatória contra a varíola cunhado pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz, que, por ser obrigatórias gerou grande agitação popular. Neste momento, com maestria, Carvalho, descreve ao leitor o que aconteceu durante a Revolta, dia após dia, com riquezas de detalhes que reconstroem um cenário social caoticamente conturbado, e ressalta: “O mais importante era mostrar ao governo que ele não põe o pé no pescoço do povo”. (Carvalho, 2001:193).
No último capítulo, Bestializados ou bilontras? Carvalho ressalta que, evidentemente, havia algo no comportamento popular que ia de forma contrária ao modelo e expectativa dos reformistas tanto da elite quanto da classe operária, a ideia de cidadão ativo consciente de seus direitos e deveres capaz de organizar-se entre si. O autor salienta que o espírito associativo se manifestava nas sociedades religiosas e de auxílio mútuo, nas grandes festas onde a população entendia-se como uma comunidade. Em contrapartida, no âmbito da política a cidade não se reconhecia, segundo ele o citadino não era cidadão, portanto era inexistente a comunidade política o que explica a apatia do povo perante o Estado.
“No entanto, o povo não se envia politicamente, o poder não lhes fazia sentido nenhum, não levavam a república a sério. para eles, ‘o bestializado era quem levasse a política a sério, era o que se prestasse a manipulação’. Ao contrário do “quadro pintado” por Aristides Lobo ‘quem apenas assistia, como fazia o povo do rio por ocasião das grandes transformações realizadas a sua revelia, estava longe de ser bestializado era bilontra’.”
(Cidinha Brito, 2016.)
Desse modo, Carvalho conclui retomando a discussão iniciada no início, em torno dos seguintes temas e suas interrelações: o regime político; a cidade; e a cidadania. Explica também que, a relação da república com a cidade só serviu para agravar o “divorcio” entre as duas e a cidadania. Para a maioria dos cidadãos o poder permanecia fora do alcance, e por isto o povo parecia um mero figurante nestas questões. Neste sentido, a partir do impedimento de ser ou fazer parte desta República, o povo formou várias repúblicas através das associações, instituições e manifestações sociais construído assim a sua própria identidade coletiva.
À guisa de conclusão, podemos dizer que as fontes utilizadas pelo historiador são claras e o seu uso consistente, demonstra o seu vasto repertório. Seus argumentos e as suas análises são construídas de forma muito bem estruturada e os capítulos sempre se complementam. O autor faz uso de uma vasta fonte bibliográfica, além do uso de um vasto acervo documental.
De modo geral, apesar de ter seu trabalho reconhecido no meio acadêmico e um constar entre os clássicos da Historiografia, ele pode e deve ser lido pelo grande público, que encontrará uma linguagem clara e inteligente se tornando uma leitura obrigatória para todos os que quiserem entender o que foi a República que não foi.
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. São Paulo: Companhia das Letras. [3ª ed., 2001.]
E. P. Thompson, “Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional”, Companhia das Letras, 1998.
E. P. Thompson, “A história vista de baixo”, Editora da Unicamp, 2001
BRITO, Cidinha. Livro de José Murilo de Carvalho destaca o fato da instauração do novo regime ter passado despercebido pela sociedade da época. Biblioo cultura informacional, 2016. Disponível em: https://biblioo.info/os-bestializados-rio-de-janeiro-e-a-republica-que-nao-foi . Acesso em 30 ago. 2021.
CARVALHO, José Murilo de. A nova historiografia e o imaginário da República. Revista do programa de Pós-Graduação em história, 1993. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/anos90/issue/view/599 . Acesso em 30 ago. 2021.
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