NICTEROY

METAMORPHOSE
DO RIO-DE-JANEIRO

Ortografia original (1822)

Nos braços maternaes, nascido apenas,
Jazia Nicteroy,(1) Saturnea próle,
Quando Mimas(2) seu Páe, Gigante enórme,
Que ao Ceo com maõ soberba arremessára
A flamigera Lemnos, arrancada
Dos mares no furor de guerra impia,
Tingio de sangue as aguas, salpicando
De seu cerebro o Ossa,(3) o Olimpo, e o Otrys,
Ferido pelo ferro, com que Marte
Vingou de Jóve a injuria em morte acérba.

Lamentando-se Atlantida(4) apertava
Ao peito o filho, palida temendo
Trisulcos raios; qu’inda acêzos via.
Ouvio seu pranto o Rey do argenteo Lago,
E o tenro infante compassivo acólhe.
No choque horrível, que dos Phlegros(5) campos
O mundo sobre os póllos abalára
Surgîraõ(6) novas terras, novos mares
Cobriraõ Reinos, Ilhas, Cabos, Brenhas.
Neptuno áponta a Plága rica e vasta
Do sepulcro do Sol erguida á pouco,
Inda madida e nova, ind’ignorada
Dos homens e do mundo; aqui se abriga
A estirpe illustre em Mimas profligada
Que o justo e paternal intento herdára.

Cresceo co’idade a força, a raiva, e o brio;
Da illustre geraçaõ fervendo o sangue
Nas veias da Titanea(7) oculta próle,
Refórça o braço, que arduas féras dôma,
Que troncos mil escácha, abáte, e arranca,
Mudando o assento ás róchas alterozas.
Cinge a frente ao robusto altivo Jóven
Cocar plumoso ornado de Amathystas;
Diamantino fulgor contrasta o brilho
De Esmeraldas, Rubins, Topazios loiros,
Que a rica Zona marchetando enfeitaõ.
Negra côma lhe-desce aos ventos sôlta
Repartida vestindo os largos hombros;
Nas faces brilha mocidade imberbe,
E a côr, que as tinge, porque o Sol as crésta,
Semelha o cóbre lucido polido.
Nos olhos lem-se os vividos intentos,
Que de Mimas herdára, e occultos jazem
No grande coraçaõ, qu’ a injuria abáfa.
O esbelto cóllo tres gorgeiras prendem
D’oiro e prata, e manilhas d’oiro e gemas
Os musculosos braços lhe guarnecem.
Apérta o ventre nû, reveste a cinta,
Fraldaõ tecido de vistozas pennas;
Mosqueada pelle hum tiracollo fórma,
De que pende em carcaz cavado dente
De monstro horrendo pelo mar gerado.
Nicteroy daqui tira hervadas séttas,
Em que as féras certeiro a morte envia,
Quando as Brenhas perlustra, e o Bosque, e o Prado.
Empunha a dextra maõ robusto tronco
Dos ramos mal despido; he esta a clava,
Que abáte os Tigres, os Dragoens, e as Serpes
Mais pronto do que em Lerna o féro Alcides.

Grato á Neptuno pressuroso entórna
Dos altos montes rios caudalosos;
Que pujantes ao mar tributos lévaõ;
Tortuosa marcha Nicteroy lhes-súlca
Por onde correm placidos os campos,
Depois que em negras firmes penedias
Tropeçando furiosos s’indignáraõ,
De branca escuma as margens allagando.
Surgem co’ as aguas, do thezoiro occulto
Nas entranhas da terra intata e nova,
Luzentes pedras e oiro, qu’ abrilhantaõ
As curvas, brancas, arenosas praias,
Em que o feudo Neptuno aceita e guarda.
Já prétende vingar a infausta morte
Que inda Phlegra eterniza, e Marte acúza;
Nem perde a vista do Sydereo Throno,
Herança paternal, de qu’ expellida
Fora por Jóve de Saturno a próle.
Justiça e força os animos lhe acendem,
Cauteloso se aprésta, e dá-se á empreza
Dispondo aos Ceos o ataque occulto e forte.

Trezentos Megaterios,(8) cem Mamoths,(9)
Domados por seu braço ao mar arrastaõ
Ingentes negras pedras, qu’ encorpóra
Promontorios formando, donde espreita
De Jóve o ciume, e de Mavórte as iras.
Aqui se affundaõ Lagos rabalçando
Estofas negras aguas sonolentas,
Que habitaõ bronzeos Jacarés, e Monstros
De horrendo e tôrpe aspecto; d’alli surgem
Escarpados rochedos, em qu’ as ondas
Rebentando furiosas o ar atrôaõ
Mugindo horriveis, revolvendo as Costas.
Altas Serras do Norte ao Sul prolonga
Sobre as nuvens erguendo-se azuladas;
Recortados penedos lhes guarnecem
Mil cabêços, que os Ceos roçando afrontaõ,
De guerreiros merloens vestindo os muros.
Novas róchas ao mar d’aqui se ajuntaõ,
De espasso a’espasso o Reino dividindo,
Possantes botaréos, que a maõ robusta
Do soberbo Gigante ás Serras déra:
Fechadas selvas cóbrem amplos valles,
D’onde avultaõ mil ingremes Castellos
Sobindo de huma, e de outra parte ás nuvens.
Urraõ Tigres furiosos, que retousaõ
Nas horríveis cavernas, aballando
Pedras, Troncos, Rochedos, Valles, Rios;
Silvaõ negras Giboias corpulentas
Vedando ao bosque emaranhado a entrada.

Contente Nicteroy o ensejo aguarda;
Da empreza a gloria o enléva, e meditando
Na Siderea conquista, devanêa.
La quando o Sol nos mares mergulhava
Os seus fogosos rapidos Ethontes,
Corrido ja de Capro o Reino em circ’lo
Ás brenhas pronto o Jóven se encaminha
D’aqui vaidoso a vista aos Ceos erguendo
Dos Astros marca a lucida phalange,
D’aquelle a força, e d’este a raiva obsérva
Prudente os golpes calculando e os tiros,
Que em breve disparar pretende ousado.

De Marte o aspecto horrível se lhe-antólha
Scintillando guerreiro, irado, e forte;
Inda a lança, que enristra, o sangue empana
De Mimas, qu’ á vingança o Filho excita.
Arde o peito em furor; he fogo, e chama,
Que abraza, queima, e devorando assôma;
Penedo grave arranca, á Marte o assésta,
Firmando os pes os braços retorcendo,
Encravados no imigo o intento e os olhos
Atálha o Ceo a estolida ousadia;
Eis subito claraõ do ethereo assento
As nuvens rásga rapido e estrondoso;
Bráma Jóve iracundo, sacudindo
Da rubra dextra o raio acêso e pronto.
Baquêa o gram colósso, arqueja e treme,
Varado o peito e o coraçaõ, qu’ entórnaõ
Borbotoens d’atro sangue espumeo e quente.
Mordendo as róchas urra e se debáte,
Mas a vida lhe fóge, e a fôrça, e a raiva.
Tomba d’altas montanhas despenhado
Frondosos troncos, pedras arrastrando,
Que ao corpo enórme, enórme estrada abriraõ.
Ao baque horrivel tremem terra e mares,
E largo tempo ao longe ressoando,
Nos fundos vitreos paços apavóraõ(10)
Amphitrite, Nereidas, Tethys, Glauco.
Tritaõ ligeiro á flor das aguas náda,
Voltando á praia o rosto obsérva e admira
Fulgurando d’instante a instante a Serra,
Que a chama crésta, e negro sangue escórre.
Horrendo corpo ressupino avista
Que entallaõ terra e pedras, qu’ enche e occúpa
Do feio bosque ao mar estenso espaço.
Inda o grande penedo, qu’ arrojava
Segura a dextra mórta; ind’horriza
Medonho e féro o aspecto aos Ceos voltado.

Eis carpindo-se Atlantida commóve
Do equoreo Reino o lindo Coro á magua;
Perdida a cor das faces, desgrenhada,
Transida e bella nos olhos lhe retrátaõ
Ternura maternal, que o peito nutre.
Convulsa móve os passos, misturando
Com pranto amárgo as vozes, que lhe troncaõ
Amiúdados suspiros; eis, Neptuno,
Eis de Jóve o rancor (excláma, e chóra;)
Nicteroy insepulto, e sobre hum campo
De hum raio jaz ferido! A estirpe Augusta
Do Páe dos Deoses, hoje acába, expíra
No forte surprehendido illustre Jóven.
Vingar paterna injuria foi seu crime,
Ao crime excede a pena, se naõ valleş
Á mal fadada Atlantida, que escudas.
Pôde Encelado(11) aos Ceos arremessar-se
Com força e raiva, altivo presumindo
Privar do Throno a Jupiter Supremo,
Recobrando o direito ao Sceptro ativo.
Typheu,(12) Adamastor,(13) Otho, (14) poderaõ
Soberbos guerrear na empresa affoitos;
Conturbáraõ, mudando a face á terra,
Montanhas, Mares, Rios, Astros, Deoses.
Baixou dos Ceos terrifica vingança,
Mercurio, Pallas, Marte, convertêraõ,
Dos impios em castigo, Penhas, Ilhas
Que leves sobre as nuvens revoávaõ.
Do fundo Averno aquelles bramaõ; estes
A gráves montes sotopóstos vivem.
Mas inda sóbem do Etna(15) inflamado
Fumo e chamas, qu’ attéstaõ força e brio
Do oprimido Gigante, inda tremendo
Em Rhódópe,(16) Inarrima,(17) e Creta(18) as torres
De seus corpos erguidas eternizaõ
Dos Titaens a memoria, a empreza, e a estirpe.

Nicteroy de Saturno he próle, he sangue;
E o nome seu a morte ao Lethe dando,
Inglorio o roubará do mundo á fama?
Raivosas féras ja tal vez devórem
Seu corpo exangue, e ja crocitem perto
Em bandos mil carnivoros Abutres;
Branquejando os seus ossos tal vez móstrem
Em dias, que o futuro esconde aos homens
De ingente monstro horrifico esqueleto;
E a tanto subiraõ de Jôve as iras?
Dá que a Fama o celébre, dá Neptuno….
Recrésce o pranto, a fráca voz lh’embárga,
As maõs suplice estende, e aflictos vertem
Os lindos olhos lagrimas, que suprem
Confuzos termos, qu’em seus labios mórrem.

Suspira entaõ Neptuno, e meigo abraça,
A lastimosa Atlantida, rompendo
Morno silencio, que suspende e enluta
A maritima Corte. He justo, (exclama)
He justo sim, que viva eternizado
No mundo o filho teu, qu’ outr’hora fôra
Por mim da morte injusta occulto e salvo.
O pranto enxúga pois, Neptuno attende
A Mãe de Nicteroy formosa e mésta;
Castiga Jóve hum crime, e naõ consente
Que sobre a terra acabe o nome, a fama
De hum filho, que a vingar seu Páe s’erguera;
Foi de Mimas herança a força e brio,
Mimas vive lembrado em Phlegra, em Lemnos,
Vivirá Nicteroy lembrado e eterno
Na Serra, e Valle, e Rócha, que apontára
Ao terrifico Marte, em furia acêso.
A hum justo pranto hum justo aprêço he dado,
Ternura maternal te affoita, e eu quero
Do morto filho a gloria eternizando,
Mostrar que abrigo Heróe, de Heroes nascido.

De Phebo a luz doirava a Serra e as Brenhas,
Dos picos mais erguidos dissipando
Nocturna branca nevoa, que descia
Ao verde prado, entaõ Neptuno surge
Na argentea Conxa, qu’Hyppocampos tiraõ
Os crespos mares(19) aplainando, e abrindo
Ruidosa marcha qu’alva escuma cóbre.
D’aqui vaidosos negros Phócas nádaõ
Do dorso sobre as ondas levantando
Cymódóce, Melite, Spio, Nisea;
Escamosos Delphins dalli se ostentaõ,
Que em torno as aguas assoprando espargem
Dos ares sobre as Nymphas; Glauco, Phórco,
Palemon e os Tritoens, em turmas seguem.

Defrontaõ ja co’ a praia, e campo, e Serra;
Desmaia a linda Atlantida banhando
Em novo acérbo pranto a face e o peito;
Qual flor nocturna e bella, qu’orvalhada
Nos jardins se aprazia, e ao Sol murchando,
A galla pérde, inclina-se impellida
Do brando vento ao sopro, que a affagáva.
Neptuno as maõs lhe toma, aperta, beija,
E ao hirto corpo entaõ a vista alonga;
Ó virtude de hum Deos! Ó força! Ó pasmo!
Desfaz-se gram cadaver pronto em agua,
Que férve, salta, muge, avulta, e açoita
Os valles, selvas, montes, brenhas, róchas.
No estenso mar, que o verde campo alága
De espaço á espaço ávistaõ-se os penedos
Derrocados por Jupiter Tonante.
Ao novo mar garganta nova se ábre,
Ferindo a Costa o valido Tridente
Juncto á rócha, que á Marte se assestára,
E qu’inda ao mar voltada as nuvens busca.
Em confuso marulho, em gróssas ondas
Descendo as aguas rapidas enfiaõ
A estreita foz, qu’as sólta aos mares; Glauco,
Qu’em cem Rios(20) banhar-se Tethys manda,
Porqu’ este so faltava, alegre salta,
Expõe ligeiro á tumida corrente
O peito largo e cerulo, qu’a québra
Forçando as aguas, dividindo a escuma.
Da hirsuta grenha verdes Algas descem
Assombrando-lhe a tésta, a face, e os olhos,
(Os olhos, em que Scylla encantos via
Raivoso ciume em Circe(21) despertando.)
A barba negra esqualida goteja
Salgada limpha dentre os limos prenhes.
Ramoso tronco de coral na dextra
Levanta aos ares, co’ a sinistra rêma.
Pairando sobre as ondas, que lh’escondem
D’atro peixe escamosa cauda e longa.(22)

Ind’alto pasmo os animos enléva,
E já murmura placida a corrente,
Igualando-se ao mar soberbo o Lago
Na foz, que a rócha fraldejando affága,
Quando Glauco o silencio rompe, exclama,
Do peito alegres vozes desprendendo
Que o trespasso d’Atlantida terminaõ.
“Eis Divino furor m’impelle e agíta,
“Deoses, Nereidas, escutai meu canto;
“Celeste fogo os ossos me percórre,
“Divina inspiraçaõ na mente eu sinto,
“Vigor mais nobre e santo me arrebáta,
“Do qu’esse, que d’Anthedon(23) me arrancára,
“De occultas hervas, por virtude occulta,
“Das novas aguas mago influxo tenho,
“Ja sou Propheta e Deos, eu vejo, eu vejo
“De par em par abértas aos meos olhos
“As ferreas pórtas d’hum porvir distante.
“Exulta, exulta, Atlantida, que a Fama
“Do morto filho teu sublime a gloria
“E eterno o Lago faz, eterno o nome.
“Troveje em vaõ Mavorte sobre a Serra,
“Em vaõ raivoso emprégue a lança e a força
“No grãm rochedo, qu’alto feito attésta;
“Immortal ficarás, ó pedra, e ao 1onge(24)
“Do novo Rio a barra assinalando
“Nicteroy lembrarás aos Ceos e ao Mundo.

“Misterio novo e grande eu vejo e admiro;
“Brilhantes feitos surgem refulgindo
“Das Urnas, qu’inda o Fado aos homens véda,
“Rompem quilhas soberbas negros mares
“Pasmosa marcha enderessando afoitas;
“Domada a furia aos Euros, Lusos fortes,
“Nos Ceos pregada a vista, e as maõs no Léme,
“D’Aurora ao berço impavidos proejaõ;
“Eis subita procella o Fado excita
“Propicia e rija os lenhos empuchando
“Á nova Plaga e Occulta; eu oiço, eu oiço
“O alegre som dos vivas com qu’arvóra
“Sobre as praias Cabral(25) a Cruz e as Quinas.
“(A Cruz, que á Plága dá virtude e nome,
“Nome,(26) qu’atr’ ambiçaõ trocando, vive
“Nos penedos, qu’a’ dextra o Rio apertaõ
“D’esta ábra ingente, qu’alta gloria espera.)
“Lobriga Marte a lucida grandeza,
“Que do imigo o recinto abrilhantando,
“Da victoria o valor lhe abáte e a fama;
“Eis pronto, Alectrion(27) mandado espreita,
“Do verde Lago em meio, em torre erguida,
“O mar, a terra, e as brenhas; mas que póde
“Da vingança o furor, se o Fado he contra?
“Mem(28) de Sá daqui surge, he fogo, e raio;
“Desmantellar-se a torre, o Gallo escápa;
“La cresce a gram Cidade, que nas aguas
“Do famoso Gigante retratada,
“D’altos montes as fraldas bórda, e as praias.
“D’hum Jóven bravo e Santo o nome aceita,
“Sem perder o de Rio ao Lago imposto;
“Aqui se ostenta provida a Natura,
“Thezoiros nóvos d’alto preço abrindo
“No florido matiz do campo e sélva.
“Aqui do Inverno a rispida melena
“Naõ sacóde a Saraiva, a Neve, e o Gello.
“De eterna pompa as arvores se arreaõ,
“Pomos e Flores de seus ramos pendem
“Quaes nunca o Horto Esperido guardára.

“Ó como avulta em gloria! Ó como a illustraõ
“Heroiços Filhos, que o seu gremio adórnaõ?
“Nem só Roma verá(29) Sulpicios nobres
“Comprando(30) a gram Cidade á pezo d’oiro,
“Que de Breno a ambiçaõ e a espada agrávaõ.
“A mesma ingente gloria, qu’assinála
“De Romulo o sepulcro(31) illustra e márca
“As auriverdes Nicteroicas aguas,
“Da Patria e da Naçaõ o Amor florece
“Do Rio sobre as margens; Ah! saõ Lusos
“D’antigo Tronco ramos, que prospéraõ
“Sem perder a virtude, a força, e o brio.

“Ó como avulta em gloria! Ó como a illustraõ
“Do seu governo as redes manejando,
“Incansaveis Andrades!(32) Cunhas(38) duros!
“Tu pacato Rolim!(34) activo Almeida,(35)
“Que mais amplo poder regendo éllevas
“A Cultura, o Commercio, as Armas, tudo
“A hum lustre, que o teu nome aclára, e afáma.
“Nem cede em zelo hum Vasconcellos(36) déxtro,
“Que o vicio espánca, e as artes acolhendo,
“Anima o Genio, qu’eterniza a gloria
“Da florente Cidade. Hum Castro(37) eu vejo
“Melancholico e forte. Hum Sabio admiro
“Do Rey, da Patria, amigo; esteio adorno
“Do Throno e da Naçaõ; thezoiro excelso
“De virtudes sublimes; que áma o Sabio,
“O Justo ábraça, Portugal(38) seu nome
“Na lembrança dos bons fulgura e vive.
“Tu guerreiro Noronha(39) as redeas tomam,
“Prudente, firme, e prosseguindo ostentas
“Saber profundo, Amor, Virtude, e Genio.

“Ó como avulta em gloria! Ah! novos Fástos
“Do filho teu, Atlantida enobrecem
“No mundo, o Lago, qu’hoje occulto admiras.
“Dias mais bellos no por-vir s’antólhaõ,
“E o Fado ápouta hum seculo ditoso,
“Em qu’a Elízia disputa a fama o Rio.
“Eis amplo assento e baze d’aureo Throno,
“Qu’escoltaõ sempre lucidas virtudes;
“Aqui médra e florece em força em gloria
“Esse Tronco, que o Ceo plantára outr’hora
“No heroico Sólo em que troveja a guerra.
“Ja d’entre as maõs d’hum Pelias,(40) qu’empolgava
“Nova Iolcos no Tejo astuto e forte,
“Hum mais nobre Jason mais sabio escápa.
“Perdendo o nome, ao Rio inveja Colchos
“Varaõ mais digno d’aurea fama; surge
“Das negras maõs d’horrenda tempestade(41)
“Hum dia, que do mundo a sorte muda.
“Salve, ó dia feliz! ditoso dia,
“Que mais ampla carreira ao Genio abrindo,
“No velho mundo o esforço dispertando,
“A paz do Globo proxima asseguras.
“Salve, Princepe Excelso, que ábrilhántas
“Com justo Sceptro e Croa, a Plága e o Lago,
“Em qu’hoje o Fado o teu poder m’inculca.
“Eternizaõ-te o nome a historia a fama,
“Epóca illustre assinalando aos póvos
“No vasto e rico Imperio, qu’érgues Sabio.
“Vejo as Quinas, qu’ ao Indo, e ao Ganges dávaõ
“Terror, desmaio, floreando ovantes
“Das Náos dos Albuquerques, Castros, Gamas,
“Sublimadas na Esphéra, agora dando
“Do novo Reino Brazileiro o indicio.(42)
“Vejo hum Rey acclamar-se(43) ó pasmo! ó gloria!
“Seraõ d’Ourique os campos estas margem,
“Que só Natura esmálta agora e veste?
“Revive Affonço acazo! He este o Tejo?
“He este o Luso Heroe, qu’hum Throno funda
“Sem dos Evos temer o estrago, e a força?
“Fulgúra o Ceo d’Ourique; a Cruz se adóra
“D’igneos raios vestida, Santa, e bella.
“D’alta noite rompendo o veo nubloso,
“Reflécte a luz nas Armas Luzitanas.
“Cerrados esquadroens desmáiaõ fógem
“Eclipsadas as Luas, cresce o esforço
“Que o novo Reino Portuguez elléva,
“Ferindo o escudo e as armas mil guerreiros
“La saúdaõ Monarca Affonço, o invicto,
“Que o Ceo protége, e a terra admira e accláma,
“Auspicio igual aqui respeita o Rio;
“Lumiuoso Cruzeiro ao Sul refulge,
“Do novo Reino a gloria eternizando,
“Que hum Princepe esforçado assenta e áfirma,
“Cingindo a Croa e a Purpura, que adórnaõ
“Eternos brilhos de virtude avita.

“AO GRANDE, AO SEXTO JOAÕ, que n’esta Plága
“Primeiro ao Regio Throno Sóbe, o mundo
“Erguendo as vistas respeitoso acáta:
“Nicteroy, Nicteroy, hum Throno, hum Reino,
“Que a Cruz deffende, e hum Sabio escóra, e áfama,
“Do Lago teu nas margens brilha, e cresce.

“Vejo a gloria esmaltando a Estirpe Augusta
“Do Regio Bragantino e Excelso Tronco;
“Nova estrella enriquece o Ceo do Rio,(44)
“Taõ bella como a d’Alva, taõ formoza,
“Como a gema engastada em oiro ou prata.
“Do mar desponta, he Venus, e os Amores
“Em torno brincaõ, do Danubio a séguem;
“Ja d’hum Principe Heroico aos braços chega,
“E o Ceo, que os liga d’Hymeneo có os laços,
“Em reciproco Amor, em grato auspicio,
“Perduravel grandeza ao Rio augúra.
“Nem me occulta o Futuro ou Fado arcanos,
“Que a mente em Santo fogo ardendo ancêaõ;
“Prospéra, Ó par ditoso! Exulta, Ó Plága,
“Que o Ceo de bençaõs enriquéce e exálta!
“Claraõ de eterna gloria os Evos doira,
“Despontaõ mais brilhantes novos dias,
“Marcando a Cruz a duraçaõ, qu’escápa
“Aos frouxos ólhos d’indagar cansados.
“Penhor(45) Augusto vejo, acato, e admiro!
“Ternura Conjugal o áfága, o abràça;
“Nas faces brincaõ rizos, sobre o bêrço
“Adejaõ vótos do Brazil, do Mundo;
“Traz no sangue de Heróes virtude e graça;
“Lamego o Sceptro de Seus Paes lhe-offrece,
“Concentra a gloria de Bragança e d’Austria.
“Nunca ao Sol, que desponta a linda róza
“D’entre as flores, qu’ esmaltaõ prado ou selva
“Do cerrado botaõ rompeo taõ bella;
“Nunca, Atlantida, Estrella igual fulgindo,
“Nas frescas aguas do Danubio ou Tejo,
“Dos póvos mór aplauso óbteve; exulta.”

Tremeo de novo a terra e o mar; Neptuno
Á Glauco impoem silencio ao ar levanta
O gram Tridente, abismaõ­se as Nereidas;
E a Mãe de Nicteroy ao Coro unida
He nos mares por Deoza conhecida.


BARBOSA, Januario da Cunha. Nicteroy: Metamorphose do Rio de Janeiro. Composta e Anotada por Januario da Cunha Barbosa. Londres: R. Greenlaw, 1822. Digitalizado por Beethoven Alvarez. Disponível em: http://www.professores.uff.br/beethoven/nicteroy.

Revisado por Gessylene Brasil em maio/2020.

Skip to content