Tradução como prática significativa na sala de aula de latim

Emily Wilson, Stanley Lombardo, Jim O’Donnell e Mike Fontaine compartilham seus melhores conselhos para tornar a tradução uma parte intencional do currículo

Dani Bostick | 4 de dezembro | Medium.com
Tradução Beethoven Alvarez | 10 de dezembro

A maioria dos classicistas tem alguma lembrança de estar numa sala de aula com medo de chegar sua vez de traduzir. Nesse cenário, a tradução em sala de aula envolve a leitura de uma reprodução pouco natural de um texto latino complicado e, então, a luta para anotar o que o texto realmente quer dizer. Gerações mais recentes de estudantes, que têm acesso fácil a textos na Internet, agora podem sentar-se em círculo e ler a tradução de outra pessoa, mas o ritual ainda envolve mais inglês do que latim e perguntas como: “Você pode me dizer de novo o que o segundo verso quer dizer?”

Emily Wilson é professora de Estudos Clássicos da Universidade da Pensilvânia, bolsista MacArthur em 2019, e a primeira mulher a publicar uma tradução em inglês da Odisseia. Ela considera o generalizado uso instrumental da tradução “um desperdício completo do tempo de todos”. Ela não está sozinha em sua insatisfação com o modo como a tradução é usada nos cursos de línguas clássicas. Jim O’Donnell, cuja nova tradução do De Bello Gallico, de César, foi lançada no início deste ano, disse: “Não devemos ensiná-los a traduzir. Devemos ensiná-los a ler.” O uso banal da tradução em sala de aula pode prejudicar as habilidades de leitura. O’Donnell sugeriu que os professores forneçam aos alunos “trechos curtos e estimulantes para que eles possam interpretar e os façam falar sobre como é lidar diretamente pelo menos com um pouco de latim, sem intermediação. Façam eles refletirem sobre como isso acontece.”

A primeira matéria desta série abordou algumas maneiras pelas quais os professores podem desenvolver habilidades de compreensão e leitura dos alunos, para que os alunos passem mais tempo realizando atividades que exijam um envolvimento significativo com o latim. Para que a tradução seja um componente mais significativo do currículo de Latim, os alunos precisam mudar sua perspectiva sobre tradução e, de maneira mais geral, sobre o estudo de idiomas.

Reestruture o propósito do curso. Comunique que o objetivo da aula de um idioma é obter fluência, não simplesmente colocar um texto em inglês para demonstrar compreensão. As atividades e avaliações em sala de aula devem dar suporte a esse objetivo.

Redefina “tradução”. Stanley Lombardo, que traduziu a Ilíada, a Odisseia e a Eneida, disse: “A tradução é uma arte.” Em sua forma mais frequente, a tradução em sala de aula não está nem perto de uma forma de arte. Wilson disse: “Eu queria que todos os que se dedicam às Letras Clássicas, incluindo estudantes de ensino médio, deixassem de chamar o que estão aprendendo a fazer de ‘tradução’, porque isso dá uma ideia muito equivocada sobre a prática da tradução literária de verdade.” Desde o início, Wilson disse, os alunos devem “pensar conscientemente sobre as línguas e tradução como um modo particular de escrita e leitura, não a mesma coisa que compreensão”.

Reoriente as prioridades. O principal objetivo da tradução na sala de aula do ensino médio tende a ser a precisão, uma prioridade que a seção ‘tradução literal’ no exame AP de Latim reforça [exame anual a que os alunos do ensino médio norte-americano se submetem]. Em vez disso, os alunos precisam saber que precisão não é o único ponto de uma tradução. “O tom é pelo menos tão importante quanto a precisão”, disse Lombardo. “Você precisa de um equivalente para emoção. Precisa afetar diretamente o leitor ou o ouvinte.”

Há várias atividades em sala de aula que podem ajudar a dasr suporte a esses objetivos:

Comece lendo, não decifrando. Mike Fontaine, professor de Clássicas da Universidade de Cornell, cuja tradução do De Arte Bibendi, de Vincent Obsopoeus, será lançada em abril, começa a traduzir lendo. “Eu lia e tentava absorver o dístico na minha cabeça sem decodificar a gramática. Depois, me perguntava: ‘Como você diria isso em inglês?’”. Essa abordagem pode ajudar os alunos a desenvolverem uma impressão mais holística do texto, em vez de focarem no significado apenas no nível das palavras.

Faça uma apresentação da leitura do texto em voz alta. Lombardo observou: “Tudo aquilo era para ser ouvido, já que as pessoas costumavam ter alguém que lia essas obras para elas. Tem que funcionar como uma performance.” Ele sugere que cada aluno faça uma apresentação dramatizada para ressaltar esse ponto. Esse tipo de performance é central na abordagem de tradução de Lombardo. “Eu leio em voz alta na língua original de forma expressiva. Depois, tento transferir esse sentimento para o inglês.” Depois de apresentar ou ouvir o texto, os alunos podem descrever a emoção e o tom em uma bate-papo na aula ou em uma reflexão escrita.

Utilize engenharia reversa em uma tradução. O’Donnell sugere dar aos alunos uma tradução ruim de uma passagem desconhecida e pedir que eles identifiquem pontos fracos e formas de melhorá-la. “A virtude dessa tática”, explicou O’Donnell, “é que tira a ansiedade. Nessa abordagem, eles sabem o que tudo significa, podem usar a tradução para entender as partes mais difíceis, mas você está fazendo com que eles usem o que eles sabem para identificar os problemas.” Para essa atividade, de acordo com O’Donnell, os alunos têm a capacidade de ganharem autoridade sobre o texto.

Retrabalhe uma tradução literal. Muitas vezes, depois que os alunos apresentam uma tradução literal precisa de um texto, eles consideram sua missão cumprida e passam para a próxima seção. Em vez disso, Fontaine sugere que os alunos melhorem uma tradução literal, reformulando o inglês. “Quanto mais precisa a gramática, menos soa como o inglês normal”, disse ele. “Parece um monte de pessoas mortas de uma cultura muito distante e não faz nenhum sentido.” Fontaine tem um lembrete simples: “O que alguém que está andando pelo campus diz para passar essa ideia?”

Olhe a mesma passagem em várias traduções. Wilson disse: “Existe uma infinidade de traduções possíveis ou ruins, mas também uma infinidade de diferentes traduções possivelmente válidas”. Wilson sugere que os alunos investiguem várias maneiras de dizer a mesma frase. E isso não precisa ser feito com um texto grego ou latino. “Se houver alunos bilíngues na turma, você pode aproveitar os conhecimentos deles sobre como pode haver várias maneiras de dizer uma frase específica em espanhol ou mandarim ou o que você tiver entre seus recursos humanos”, diz Wilson.

Faça várias traduções do inglês para o inglês. Wilson propõe “traduzir” o inglês para o inglês com um trecho de um jornal ou de uma revista, ou um que os próprios alunos tenham escrito para que “digam a mesma coisa”, mas com palavras totalmente diferentes.”

Uma vez que se vai além da tradução apenas como forma de mostrar compreensão, existem inúmeras possibilidades:

Mergulhe fundo em uma única palavra. Muitos estudantes associam apenas um ou dois significados em inglês para cada palavra latina que aprendem. Atribua aos alunos uma palavra latina e peça que eles criem uma apresentação que inclua o significado, atualizações propostas para o verbete do dicionário, maneiras como diferentes autores usam essa palavra, traduções dessa palavra geradas pelos alunos dentro do contexto e uma composição latina curta com a palavra. Os Classical Latin Texts [Textos Latinos Clássicos] do Logeion e do Instituto de Humanidades Packard são duas excelentes ferramentas para esta atividade.

Escreva um trecho “no estilo de”. Este exercício pode ajudar os alunos a se concentrarem no estilo e no tom. Por exemplo, os alunos podem traduzir um poema de Catulo no estilo de alguém que seja familiar a eles (por exemplo, Taylor Swift, uma estrela da música country, Drake etc.). Depois, pergunte aos alunos qual versão combina mais em tom, estilo, emoção, sonoridade e significado com o original. McSweeney’s tem muitas passagens engraçadas escritas no estilo de autores conhecidos e figuras públicas que podem fornecer uma boa apresentação a essa atividade. (Dê uma olhada na ‘África’ de Toto, de Ernest Hemingway.)

Compare vários textos sobre o mesmo tópico. Forneça trechos sobre tópicos semelhantes de diferentes autores (por exemplo, César, Eutrópio, Nepote e Lívio). O que os alunos notam sobre a escolha de palavras, o comprimento da frase, as construções gramaticais e o estilo e tom do autor?

Esses exercícios não substituem o trabalho que os alunos iniciantes precisam fazer para desenvolver fluência em latim ou grego antigo. Wilson compartilhou: “Acho que os exercícios que não são de tradução são muito importantes — que tratam da ordem de palavras, efeitos literários, sintaxe e exercícios de compreensão que não envolvem tradução.” Ainda assim, muitas dessas atividades de tradução são acessíveis aos alunos mesmo enquanto estão construindo seu vocabulário e compreensão de sintaxe. E essas atividades podem impedir que os alunos vejam o latim e o grego antigo como simplesmente um quebra-cabeça complicado de montar.

O ensino intencional da tradução pode ajudar os alunos a ouvir a voz de um povo distante e transmitir o que ouviram à sua própria geração.


Escrito por
Dani Bostick
A favor de donuts, de cerveja belga, dos cães & das zebras. Contra a humilhação, o silêncio, os vórtices polares e as jujubas de pipoca / professora de latim, escritora

Traduzido por
Beethoven Alvarez
A favor de peanuts, cerveja de todo tipo, dos gatos & dos ratos. Contra as políticas fascistas da Bozolândia, a censura, Papai Noel e ainda bem que nunca experimentei jujuba de pipoca / professor de latim, tradutor

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