Prof. Júlio César Medeiros

PROFESSOR DE HISTÓRIA

juliocesarpereira@id.uff.br

SOBRE

Júlio César Medeiros é Dr. em História da Ciência e da Saúde pela Fiocruz.  É professor de História Contemporânea com enfase em África, da Universidade Federal Fluminense, pesquisador do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos e Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa SANKOFA-UFF.

 

Liberalismo Econômico e a formação do mundo contemporâneo

Por: Júlio César Medeiros da Silva Pereira

Introdução

A Revolução Industrial impactou o mundo de forma surpreendente. Enquanto a Revolução Francesa as guerras napoleônicas modificaram o coração do mundo,  o perfil da sociedade europeia e mundial do século XIX, foi transformado pela Revolução Industrial que passou a alterar a percepção vigente, agora descrito com a velocidade das locomotivas que cortavam os continentes transportando minérios para serem levados para grande potência industrial do momento e velocidade do crescimento do capital que devora a mão de obra da classe trabalhadora em nome do bem estar comum. Mas como isto se deu? Quais foram as transformações no campo do pensamento que permitiram o avanço das práticas capitalistas? É o que veremos nos próximos parágrafos  de forma breve, a fim de compreendermos as diferentes contribuições do pensamento econômico que ajudaram a moldar o mundo tal como o conhecemos.


Eugène DELACROIX , La Liberté guidant le Peuple (La libertad guiando al Pueblo) (1830)

Foi no século XVIII que ganhou força um novo pensamento. Uma nova ideologia, baseada nas ideias liberais, já aventadas pelos iluministas,  varreram  a Europa moldando o mundo ao poucos, mas sem muita resistência às necessidades do capital moderno em contraposição ao pensamento absolutista os quais se constituíam como verdadeiros entraves às mudanças econômicas, gestadas no bojo das alterações sociais produzidas pelo capital, incompatíveis com a intervenção do Estado e burocratização da economia.

Surgem Novas teorias econômicas

Adam Smith (1723 —  1790)

O escocês não foi o pai da economia moderna, mas suas teorias econômicas tiveram influência sobre a mesma. O seu pensamento constitui um marco importante nesta ramo do saber. O mundo e as relações humanas deixariam de ser explicados pela filosofia e o pensamento econômico, impulsionado pela sua obra A Riqueza das Nações, de em 1776, passaria a ditar o novo estilo de vida e a forma de se fazer política.  

Nascia a Economia Política Clássica, um novo campo de conhecimento baseado em teorias, que analisavam os aspectos econômicos da sociedade a partir de análises racionais e premissas embasadas em dados, geralmente, sólidos.   Mas Smith não foi o primeiro a se levantar contra o pensamento antigo defendido pelos absolutistas que, primavam pelo mercantilismo, metalismo e balança comercial favorável (O tripé da política econômica absolitista).

Os fisiocratas (do grego “Governo da Natureza”) já haviam elaborado uma crítica às teses mercantilistas, que defendiam ardentemente que riqueza de uma nação consistia na posse de grandes quantidades de moeda- ouro e prata – e pela balança comercial favorável. Os fisiocratas argumentavam que era a posse dos bens materiais que garantia a riqueza de um país e que a terra era principal fonte de desenvolvimento sendo todo outro tipo de trabalho, que não o agrário, como secundário.

Cena de Tempos moderno -Charles Chaplin

Adam Smith, acrescentou a esta ideia, a premissa de que era o trabalho que gerava a riqueza.  Em A Riqueza das Nações, ele mostrou a que a verdadeira riqueza consistia no trabalho e que este traria o crescimento da produtividade gerando benesses a todos, e que o seu valor não se restringia ao trabalho agrícola, mas que todo tipo de produção humana era capaz de gerar valor.

Em decorrência dessa premissa sobre a produtividade do trabalho-, Adam Smith defendia a ideia individualista, segundo a qual, se cada indivíduo cuidasse somente de seus interesses econômicos, a sociedade como um todo prosperaria e, que, além disto, se auto regularia a compra e a venda no “mercado” através da famosa lei da oferta e da procura. Estava nascendo o princípio liberal que, grosso modo, pode ser resumido pela não intervenção do Estado na economia. Isto foi de fato bastante inovador, pois, até então, o Estado absolutista era extremadamente regulador da economia e direcionava desde a produção até o consumo. Agora, Smith propunha a liberdade da iniciativa privada industrial para que se expandisse cada vez mais, contra as possíveis restrições econômicas, taxações e monopólios.

Thomas Malthus (1776-1834)

Tais teorias econômicas foram consideradas otimistas por vários pensadores da economia clássica, entre os quais, o também britânico Thomas Robert Malthus. Autor de o Ensaio sobre o Princípio da População;  livro em que ele defendia que, a proposta de prosperidade de Smith, não se efetivaria na medida, em que, o crescimento populacional seria sempre maior que a produção. Ou seja, segundo ele, a produção crescia em termos aritméticos e a população em termos geométricos. Pessimista,  Malthus não acreditava na abundância e prosperidade que, segundo Smith seria trazida pelo trabalho, mas previa um cenário de escassez e fome, surtos de miséria que, aos poucos, levaria o mundo todo ao caos.  Dizia ele “O homem que nasce num mundo que já tem donos, se não puder obter de seus pais a subsistência a nenhum direito possui de reivindicar a menor proporção de alimentos e, em tem a fazer aqui. Na poderosa festa da Natureza, não há lugar para ele. A Natureza lhe diz para ir embora”. (Malthus, T.R. Ensaio sobre o Princípio da População)

Crescimento Populacional

Na visão Malthusiana, os próprios pobres são os únicos responsáveis pelas suas pobrezas pois, a seus olhos, são eles quem mais procriavam. E, para criticar o instinto natural da procriação que, em sua visão, os pobres possuíam em maior intensidade, ele constrói um argumento que, aparentemente, encontra em outra lei natural a sua justificativa. Afirma:

Em todo o reino animal e vegetal a Natureza dispersou as sementes da vida com mão profusa e liberal; mas foi relativamente mesquinha quanto ao espaço e à capacidade de alimentação necessários para sustentar tais sementes. A raça das plantas e a raça dos animais reduziram-se sob essa grande lei restritiva, e a raça do homem não pode por nenhum esforço dela escapar.(Malthus, T. R. Ensaio sobre o Princípio da População)

Malthus estava errado, na verdade, suas ideias eram racistas e visavam resguardar o acesso as benesses produzidas apenas à pequena elite dos países industrializados. Ele estava errado também porque não viu, ou não quis enxergar que as inovações tecnológicas iriam aumentar também de forma brutal a produção alimentícia para grande parte do mundo. Mesmo assim, suas teorias foram usadas para defender o controle de natalidade em países pobres e a eficácia de guerras e pestes como um mal necessário para  frear o crescimento populacional.

Infelizmente, os seus pensamentos voltaram a ganhar força com o pensamento neomalthusiano que, em pleno século XXI, defende que os recursos naturais produzidos não são suficientes para toda a humanidade e que, por conta disto, devem ser tomadas medidas radicais como as propostas por aquele velho pensador inglês.

David Ricardo (1722-1823)

 A economia clássica ganhou um novo impulso com o aparecimento da obra Princípios de Economia Política e Tributação, de autoria de David Ricardo. O inglês ampliou o pensamento de Smith ao afirmar que existe uma relação entre a renda dos trabalhadores e a renda dos proprietários e capitalistas.  David Ricardo analisa cada uma delas e conclui que a renda de cada trabalhador é suficiente apenas para prover sua sobrevivência e, consequentemente, ele está condenado a uma eterna miséria. Já os capitalistas, no que diz respeito à renda, verão seu lucros diminuírem na medida em que eles se veem forçados a gastar com o pagamento de maiores salários aos trabalhadores, enquanto, por outro lado, o esgotamento do solo fértil e a explosão demográfica, dificultará o atendimento da demanda de alimentos, o que por sua vez, provocaria uma elevação dos preços das mercadorias, encarecendo o custo de vida.

Aos poucos, tais teorias reforçam a ideia do dinheiro como um  meio de troca e  a terra a intervenção do Estado vão ficando cada vez mais representativas do passado arcaico e improdutivo.   Estava sendo ampliado a teoria do livre mercado.

John Stuart Mill (1806-1873)

John Stuart Mill ganhou reconhecimento por desenvolver a já conhecida teoria do fundo de salários. Uma espécie de fundo total disponível aos trabalhadores, a qual determinaria os salários. Mas enquanto a maior parte dos pensadores clássicos considerava esse fundo igual ao capital total, Mill o concebia como o mínimo necessário para comprar a mão-de-obra, ou seja, a força produtiva.

Resumindo, de uma forma ou de outra, todas as teorias econômicas gestadas no bojo da Revolução Industrial primavam pela divisão internacional do trabalho que davam a alguns países a função de produziriam alimentos e matérias-primas,  e a outros manufaturas, que beneficiaria, logicamente, os países industrializados, em detrimento dos países pobres que eram amplamente explorados.

Estava lançado o liberalismo clássico, que ditaria as ações governamentais dos países mais desenvolvidos durante todo o século XIX, estendendo-se até o início do século. Tal doutrina só foi revista pelos seus defensores com a quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. A partir daí, a socialdemocracia ganharia cada vez mais força deixando  o liberalismo em segundo plano. Contudo, as ideias preconizadas pelo liberalismo, ressurgiram neste século sob a forma do neoliberalismo.

Ainda hoje encontramos pensadores, políticos e economistas defendendo o livre comércio, o Estado mínimo, privatizações, a ideia de um mercado auto regulado pela lei da oferta e da procura e teorias racistas para a diminuição populacional, sobretudo nos países pobres, e a supressão dos direitos trabalhistas. De fato, o mundo em que vivemos foi moldado de forma tão veemente por aqueles antigos pensadores que ainda hoje se sente a sua força empurrando as camadas pobres para o sub emprego e exploração crescente. 

Bibliografia

DICIONÁRIO de Ciências Sociais. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1987.

MARX, Karl. Divisão do trabalho e manufatura. In: _____. O capital: crítica da economia política. 11. ed. São Paulo: Bertrand Brasil-Difel, 1987. L. I. v. 1.

__________. Posfácio da 2. ed. In: O capital: crítica da economia política. 8. ed. Tradução: Reginaldo Santana. São Paulo: Difel, 1982.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia.  31. ed. Campinas/SP: Autores Associados, 1997.

SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo: Nova Cultural, 1996. v. 2.

WEFFORT, Francisco. (Org.). Apresentação. In: ______. Clássicos da política. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991. v. 1. p. 7-10.

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